O tratado de Simulambuco

No dia 1 de fevereiro de 2021, faz 136 anos que Portugal celebrou com os representantes dos povos dos territórios Ngoyo, Kakongo e Loango, pertencentes ao Reino do Congo, o tratado de Simulambuco com base no qual, os mesmos, passaram a constituir um protetorado de Portugal. No mesmo ano, 1885, a Conferência de Berlim reconheceu o protetorado, passando a designá-lo por Congo Português (Cabinda). As Constituições da República Portuguesa (CRP) de 1911 e 1933 acolheram esta nova entidade territorial e, na última, surge descrita como colónia, claramente distinta das demais. Mais tarde a ONU, através da Resolução 1542 de 15/dez/1960, reconhece Cabinda como uma das nossas colónias, assim como a OUA que, inclusive, na sua XII Cimeira de 1966, ao numerar todas as colónias de África considera Cabinda a nº39 e Angola a nº35.

A partir da década de 40 os cabindas começaram a exigir do governo português a sua independência com o fundamento de não termos respeitado o tratado, nomeadamente a cláusula inerente à integridade do território (tínhamos cedido parte à Bélgica). Em 1957 os três movimentos de libertação, criados no início desta década, fundem-se, dando lugar a um único designado por FLEC. Note-se que os movimentos de libertação de Angola, UPA/FNLA (1961) e MPLA (1963), surgem em data posterior à da criação da FLEC, sendo esta muito anterior à do aparecimento do petróleo (1967), caindo assim por terra a acusação de Angola de que a reivindicação do direito à independência de Cabinda se deve exclusivamente àquela riqueza.

Para desgraça do povo deste território, o governo português, em 1975, sob forte influência da ala mais esquerdista do MFA, que previa no seu programa (inicial) a autodeterminação dos povos de todas as colónias, entregou o protetorado a Angola cometendo assim alta traição àquele povo.

Quando cheguei a Cabinda, em 1974, assisti a atos vergonhosos de colaboracionismo das nossas tropas (NT) com as do MPLA que resultaram na prisão do Comandante do Sector de Cabinda, Brigadeiro Themudo Barata. Rosa Coutinho, Governador de Angola, não tendo obtido daquele oficial a anuência para facilitar o acesso de barcos aos portos de Cabinda, com equipamentos militares destinados ao MPLA, decidiu então destituí-lo em total desrespeito com a ortodoxia militar. Uma força conjunta das NT e do MPLA invadiu a cidade, atacou a sede da FLEC, originando alguns mortos, tendo depois se dirigido ao comando do sector (COMSEC) onde foram aprisionados o Brigadeiro e todos os oficiais superiores que lá se encontravam. Fui testemunha ocular deste episódio o qual se encontra descrito no livro “Angola- Anatomia de uma tragédia” do General Silva Cardoso. Desta forma, Rosa Coutinho conseguiu ilegalizar a FLEC e substituir o COMSEC, satisfazendo deste modo os desejos do MPLA. Atrevo-me a suspeitar que o comando do meu batalhão também colaborou nesta ação, uma vez que as suas forças tinham como missão precisamente a defesa da cidade e tal não se verificou. À custa destes jogos mesquinhos tivemos dois mortos num ataque ao quartel do Massabi efetuado pela FLEC como retaliação pela sua ilegalização. Enfim uma “descolonização”, à Mário Soares, considerado o seu grande obreiro.

Este erro colossal, cometido por Portugal, é contudo ainda passível de ser revertido porque a Carta das Nações Unidas considera que a autodeterminação é um dos direitos fundamentais dos povos. Compete pois a Portugal dar início, junto da ONU, ao processo que permita ao povo de Cabinda, mediante referendo, decidir sobre o seu destino. O que não me parece viável dada a subordinação do poder político aos altos interesses económicos de angolanos e portugueses.

A todos os militares madeirenses que estiveram em Cabinda um grande abraço.

Manuel João Batista Rosa

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