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Em época de COVID19, uma dose de ética utilitarista?

A economia desde há muito que é um tema central para a sociedade, sendo através do seu exercício que a humanidade se estrutura e organiza. Não há, no entanto, um sistema económico perfeito, nem há muitos modelos económicos. Básica, realística e genericamente, poderemos considerar que existem três: um deles é aquele onde o Estado é detentor dos meios de produção, logo centralizador, exercendo o que se chama a autoridade central, também conhecido por economia planificada, normalmente adotado por países com regimes políticos socialistas/comunistas, havendo já poucas nações com este sistema; outro é totalmente liberal, sendo o papel do Estado de observador, intervindo através de entidades reguladoras independentes, se as regras fundamentais estiverem em perigo, nomeadamente, quebra dos princípios da concorrência, garantia dos direitos dos consumidores, etc., conhecido como sistema capitalista ou de mercado, sendo os Estados Unidos da América o expoente máximo deste modelo, e por fim, um outro denominado de misto, onde o Estado está presente, lado a lado com a iniciativa privada. É também uma economia de mercado que se aproxima do sistema capitalista, mas o Estado é detentor de alguns meios de produção. O primeiro é cerceador de liberdades, direitos e garantias, presentes em qualquer Estado de direito democrático, e nos segundo e terceiro, o Estado, tendencialmente vai ficando refém daqueles que detêm o capital, o que lhe tolhe a possibilidade de exercer verdadeiramente a soberania. Não sendo nenhum perfeito, parece haver evidências que o terceiro será o menos nocivo, em várias vertentes, nomeadamente nos domínios social, ambiental e político. Perante a necessidade de uma economia enfrentar algo que ninguém esperaria e desejaria, e que resulta duma pandemia instalada ao nível planetário, cuja origem é um vírus que continua em investigação e que coloca de pantanas toda e qualquer organização económica, seja ela qual for, há que enfrentar o dilema: como conciliar a economia com a saúde pública e as várias atividades humanas? Não havendo nenhum manual que o explique, talvez fosse de refletir numa lógica de ética utilitária (Stuart Mill, 1806-1873), adaptada aos tempos de COVID19, expurgando-a do que a possa fragilizar e atentando na sua máxima “agir de modo a que da nossa ação resulte a maior felicidade ou bem-estar possível para o maior número de pessoas”. A ciência económica hoje não é utilitarista, mas usa intensamente o conceito de utilidade. Em economia, o utilitarismo pode ser entendido como um princípio ético no qual o que determina a bondade/justeza de uma decisão ou ação, é o benefício intrínseco oferecido à coletividade, ou seja, quanto maior o benefício, melhor será a decisão ou ação. Ora, perante o quadro que as famílias e as empresas vivenciam na atualidade, parece-me óbvio que só há um caminho a seguir. Depois do layoff a 100 %, é necessário providenciar dinheiro a fundo perdido às empresas para que se mantenham até que a pandemia esteja controlada, estabelecendo naturalmente alguns critérios para a sua atribuição, mas onde as exigências sejam apontadas para o futuro e não para o passado, nem para o presente. De outro modo torna-se impossível enfrentar a atual pandemia. Se as empresas não laboram, não faturam, logo não geram receitas que lhes permita pagar os custos fixos inerentes a qualquer atividade empresarial. Se as empresas encerrarem, os funcionários iram para o desemprego e consequentemente dificilmente poderão cumprir os seus compromissos. É evidente que é impossível manter a economia em funcionamento num cenário destes. Naturalmente que a decisão de “dar” dinheiro não é inócua, pois fere alguns princípios já largamente estudados e experienciados na ciência económica. No entanto, a questão será sempre optar pelo mal menor, garantindo que a decisão tomada acompanhe a teoria que sustenta a ética utilitarista.    

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