Crónicas

O bom, o mau e o queijo suíço

O crescimento do nosso destino é, essencialmente, um desafio de mobilidade aérea. Como trazer o maior número de passageiros para a Madeira, pelo preço mais baixo

Apesar de jovem, 2020 já teve um pouco de tudo. Já ficámos em suspenso, enquanto os Estados Unidos e o Irão ensaiaram uma guerra que não passou do preâmbulo. Em Espanha, tomou posse o primeiro governo de coligação da história, cuja sobrevivência depende do apoio parlamentar de sete partidos diferentes e, assim, reforçou o sentido da expressão albergue espanhol. Por cá, o Livre quer livrar-se da deputada que ajudou a eleger, repetindo o tratamento que o Bloco deu a Rui Tavares no Parlamento Europeu. E da mesma forma que a história se repete, a nossa troica quinzenal também.

O Bom: Eduardo Jesus

32 euros. É quanto cada passageiro paga de taxa para viajar de avião entre a Madeira e o Porto Santo. Ainda não pagou a passagem, nem sequer levantou voo e já pagou à ANA apenas para poder viajar. Por vezes, a taxa chega a ser mais cara do que o próprio bilhete. Em Canárias, um percurso semelhante entre ilhas paga uma taxa de 8 euros. Quatro vezes menos do que na Madeira. E não ficamos por aqui. A mesma disparidade de taxas existe entre o Aeroporto da Madeira e os restantes aeroportos do país, com uma nota comum – o passageiro paga sempre mais para viajar para cá. Só por isso, o alerta de Eduardo Jesus ao Ministro da Economia, no Conselho Estratégico para a Promoção Turística, merece nota positiva. Mas numa semana em que soubemos que a Madeira perdeu 214 mil dormidas, o apelo do secretário regional do Turismo ganha outra dimensão. O crescimento do nosso destino é, essencialmente, um desafio de mobilidade aérea. Como trazer o maior número de passageiros para a Madeira, pelo preço mais baixo. É evidente que as taxas aeroportuárias são uma peça central desse puzzle, se calhar a mais importante. Eduardo Jesus terá muitos desafios pela frente, mas começa no caminho certo.

O Mau: Pedro Nuno Santos

O início do ano tem sido difícil para alguns ministros do governo socialista. Santos Silva, num ato de diplomacia duvidosa, apontou a “fraquíssima qualidade” dos gestores portugueses. Eduardo Cabrita, perante várias agressões a profissionais de saúde, prometeu-lhes aulas de defesa pessoal. Mas, como sempre, o melhor ficaria para o fim. Pedro Nuno Santos. Herdeiro natural de António Costa, tal como este foi de José Sócrates. Maestro da geringonça, negociador na crise dos motoristas e entusiasta da ferrovia. Pedro Nuno é pau para toda a obra! E foi do alto da sua sapiência polivalente que, confrontado com os preços que a TAP pratica nas viagens para a Madeira, decretou que se a companhia fosse privada, os madeirenses “levavam com os preços que eles quisessem.”. Poucos toleraram as palavras do ministro. Mas, na verdade, Pedro Nuno não tem culpa. E não tem culpa, porque não sabe quais são os preços que pagamos para viajar na TAP. Não sonha o que é depender de um avião para voltar a casa. Não imagina, sequer, que a tarifa média da TAP para a Madeira é 79% mais cara que a Easyjet. E que apesar de aumentar sucessivamente a sua oferta para a Madeira, os preços da TAP não param de subir. Afinal, para o ministro, a compra da TAP foi um capricho ideológico, uma medalha que coloca ao peito sempre que lhe convém atacar o sector privado. Pedro Nuno Santos é a prova de que se os socialistas percebessem de economia, não seriam socialistas.

O Queijo Suíço: Orçamento do Estado 2020

No longínquo ano de 2000, António Guterres depositava em Daniel Campelo, deputado do CDS, a esperança de aprovação do orçamento. A troca era simples: o voto no orçamento por um conjunto de apoios para a sua região, entre eles uma nova fábrica de queijo limiano. Louçã chamou-o de pirilampo, Portas de vírus do localismo. Mas a única alcunha que ficou foi a do documento aprovado – orçamento limiano. Vinte anos depois, os protagonistas mudaram, mas a aprovação do orçamento continua pródiga em curiosidades. A maior é a abstenção coletiva que o viabilizou. Mas nem todas as abstenções são iguais. Para o Bloco e para o Partido Comunista, a abstenção é um voto a favor envergonhado. Para o PAN é uma forma de estar – ideologicamente vegetariano, nem é carne, nem é peixe. Para os Verdes, foi o cumprimento da ordem do PCP. E para o PSD Madeira, foi um tiro no pé. Por duas razões distintas. Primeiro, porque é a negação de toda a retórica política que manteve com a República. Trocar um voto de abstenção, que não conta para a aritmética de aprovação, pela inclusão de direitos dos madeirenses no orçamento, é aceitar que esses direitos estão sujeitos a negociação. Que o novo hospital, o subsídio de mobilidade e a redução de juros dependem da boa vontade da República. Segundo, esta abstenção não se esgota com o orçamento, é uma anuência à governação socialista e os próprios farão questão de recordá-lo nos próximos anos. Isso é especialmente claro no caso do novo hospital. O que está no orçamento deste ano é, essencialmente, o mesmo que estava em 2019, mas deu azo a dois votos diferentes. Aguardemos pela votação final e pela clarificação. Este orçamento pode não ter Campelos, nem queijos limianos, mas pelo número de buracos, parece um queijo suíço.