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Estabilidade laboral e Legalidade

não me parece que faça muito sentido ir ao bolso dos contribuintes para estimular o cumprimento de obrigações legais

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou recentemente os números do desemprego para o mercado de trabalho português, revendo em alta as suas projeções para a taxa de desemprego: 6,4% em 2020, isto quando em maio apontava para 5,9%. No ano de 2021 prevê aquela organização que a taxa fique nos 6,3%. Significa isto que teremos pouca margem nas descidas da taxa de desemprego. É fundamental termos consciência das dificuldades, sem deixar de manter a determinação e a ambição que impõe uma matéria tão importante cuja transversalidade dos efeitos não pode ser ignorada.

Mas falar de emprego é bem mais que falar dos números em cada momento. É falar de processos mais amplos de desenvolvimento e de crescimento sustentável a longo prazo. É perceber dinâmicas e conjunturas. É, também, falar da natureza, consistência e estabilidade dos vínculos laborais. É falar de legalidade.

No final do passado mês de novembro, o Eurostat divulgou dados que colocam Portugal em terceiro lugar na lista dos países da União Europeia com maior percentagem de trabalhadores a prazo. No segundo semestre deste ano, só Espanha e Polónia apresentam níveis de emprego a prazo superiores a Portugal.

O Governo da República havia publicado em setembro uma medida que regula a criação de um apoio transitório à conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, através da concessão, à entidade empregadora, de um apoio financeiro, numa dotação de trinta milhões de euros até final do ano.

Ora, para tratar esta matéria, creio que se deverá, antes de mais, perceber o que é um contrato a prazo e em que circunstâncias pode ser celebrado. A lei diz expressamente que o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado “para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”. E vai mais longe, elencando algumas situações de necessidades temporárias das empresas.

O contrato de trabalho a prazo tem, pois, natureza verdadeiramente excecional. E, se entendemos que temos demasiados contratos de trabalho a termo, então, das duas, uma: ou teremos de rever o atual quadro legal; ou temos de admitir que existem situações que estão fora da legalidade, ou seja, a excecionalidade deu lugar à fraude. E aqui bastaria que fossemos mais ágeis e rigorosos nos mecanismos de reação e controlo de legalidade. Provavelmente continuamos a tentar resolver questões simples da maneira mais complexa e dispendiosa.

É evidente que defendo os estímulos justos à contratação definitiva, porém, neste caso específico, creio que poderemos estar perante uma questão de mera legalidade e, como tal, não me parece que faça muito sentido ir ao bolso dos contribuintes para estimular o cumprimento de obrigações legais que se deveriam impor naturalmente, até porque há quem sempre tenha cumprido a lei sem apoios financeiros.