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O fim do anonimato nas acções e cheques “ao portador”

A pretexto da transposição da Diretiva (UE) 2015/849, de 20 de Maio, que procedeu à revisão e alargamento dos padrões de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, no espaço europeu, tem vindo o Estado Português a publicar, nos últimos meses, vários diplomas legais que visam dotar o comércio jurídico nacional de maior transparência quanto aos intervenientes, aos ‘beneficiários efectivos’ e aos valores dos negócios e activos situados em Portugal. Com maior relevo para o mercado regional, destacaria, por um lado, o fim das acções ao portador (em sociedades anónimas), cujo regime legal de conversão de títulos foi finalmente publicado através do Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de setembro, estando neste momento a decorrer o prazo de conversão dos títulos ao portador, em títulos nominativos, até ao próximo dia 4 de novembro de 2017. Tal como se esperava, o regime agora publicado contém regras de grande simplicidade e os respectivos actos de registo comercial encontram-se dispensados do pagamento de emolumentos. Os títulos que não forem convertidos em nominativos, no decurso do referido prazo legal, não poderão ser transmitidos a terceiros, assim como ficará suspenso o respectivo direito a participar em dividendos, juros ou quaisquer outros rendimentos. Por outro lado, desde o passado dia 23 de agosto de 2017 que passou, também, a ser proibido o pagamento e o recebimento em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a € 3.000, incluindo-se nesta proibição o pagamento por meio de cheque ao portador. A violação desta limitação é punível com coima até € 9.000 (cfr. Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto). O conjunto destas medidas, naturalmente complementadas com o regime jurídico do “registo central do beneficiário efectivo”, publicado através da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, permitirá não só acautelar os interesses públicos, designadamente em matéria de controlo e cobrança de receita fiscal, como também permitirá, ao nível do sector privado, responder às exigências do mercado livre e concorrencial, bem como limitar a dissipação ou ocultação de patrimónios que, tantas vezes, se torna de difícil conhecimento e prova para credores que, em geral, tentam cobrar os seus direitos de crédito pela via judicial. No entanto, apesar de estas novas medidas de combate ao branqueamento de capitais poderem beneficiar o interesse geral, as mesmas obrigam a uma significativa revisão de procedimentos e práticas em todo o tecido empresarial e profissional, que terá necessariamente que implementar mecanismos internos de “compliance” para controlo e cumprimento das novas obrigações legais, evitando as responsabilidades civis, tributárias e criminais que nesta sede podem resultar para os cidadãos, entidades e gestores em geral.