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Generalizações abusivas ...

Apesar de não ser uma prática exclusiva dos portugueses tem, entre nós, uma legião de crentes e fervorosos praticantes. Referimo-nos à impressionante facilidade com que, pretensamente, se caraterizam os comportamentos típicos das pessoas... Seja de uma forma mais ou menos brincalhona e aparentemente inócua, seja, com um tom doutoral, rotulam-se comportamentos em função da raça, da etnia, da religião, da profissão, do género, da idade, do nível socioeconómico, da nacionalidade, da naturalidade, das cores partidárias e clubísticas, etc., etc., etc.

Obviamente que há evidências científicas de que, quer os fatores genéticos, quer os ambientais e contextuais contribuem, de forma significativa, para a estruturação da personalidade dos indivíduos e, consequentemente, da forma como se relacionam com os outros. Contudo, também existem evidências que cada indivíduo é único e se transforma de forma personalizada numa permanente relação dialética com tudo o que o rodeia.

Dessa forma, colocar um rótulo comportamental a um indivíduo só porque tem uma determinada proveniência ou pertence “voluntária ou involuntariamente” a um determinado “grupo”, serve que objetivos? Para se colocar trancas à porta e manter a mão na carteira? Para passar para o outro lado da rua? Para tentar frequentar os mesmos locais e estabelecer relações profissionais? Para tentar ter laços de amizade ou mesmo familiares (boas famílias que dão bons casamentos e ainda melhores divórcios)? ...

A título de exemplo, vejamos algumas das incoerências deste tipo de “rotulagem” comportamental utilizando as preferências clubísticas dos indivíduos. Quem não tem a perceção que os adeptos de determinados clubes são mais agressivos e arrogantes? Que os adeptos de outros são mais comedidos e menos afirmativos? Que uns são mais honestos que outros? Que uns são mais racionais e outros mais emocionais...? Etc.

Mesmo que isso correspondesse à realidade e pudéssemos identificar as causas (por exemplo uns ganharem mais que outros), o que sabemos é que esses clubes têm adeptos de todas as raças, etnias, religiões, profissões, género, idades, níveis socioeconómicos, nacionalidades, naturalidades, espectros partidários etc., etc.

Então, apesar de se poder argumentar que pode existir uma predominância de determinadas “grupos” em certos clubes, em que é que ficamos? O rótulo caracterizador dos comportamentos típicos das pessoas não dá para tudo. Por exemplo, será que posso ser caraterizado como mais agressivo e desonesto por pertencer a uma determinada raça, etnia, profissão, clube... e, simultaneamente, ser considerando mais calmo e honesto por ser de determinado sexo, naturalidade, partido ...?

Nesta altura, o leitor (que teve a paciência de ler até aqui) pode lembrar-se do dito popular castelhano «No creo en brujas, pero que las hay, las hay» ou seja, até pode não querer, mas não consegue deixar de associar determinados comportamentos (normalmente negativos) a determinados “grupos”...

Se é esse o caso, não se esqueça que a nossa perceção está muito condicionada, por exemplo, pelas vivências pessoais e pela repercussão mediática (muitas vezes filtrada pelos algoritmos) de alguns casos chocantes... Mas, mesmo que a nossa perceção corresponda à realidade, a generalização abusiva e descontextualizada, não só é injusta para aqueles que não têm esses traços comportamentais, como não contribui para a resolução do eventual problema.

Ora, o Desporto, no sentido lato, seja ao nível dos desportistas, seja dos espetadores, é um dos mais poderosos meios de transformação do Homem e um dos mais democráticos, onde (salvo raras exceções) coabitam indivíduos de diferentes “grupos”. Pelo que pode e deve ser utilizado para quebrar barreiras e ideias pré-estabelecidas...

Contudo, se não for bem utilizado pode servir precisamente para o contrário... infelizmente, por ignorância, incompetência e desonestidade, em muitos casos, é isso que parece estar a acontecer.