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Falaram-me de um pedaço de terra a soldo...

Por razões nem sempre identificáveis, ao longo da vida, algumas das conversas em que participámos deixam marcas e, do meu ponto de vista, até merecem o selo mediático. Haverá melhor altura para partilhar reflexões, note-se, inócuas ou de superfície, do que a época estival?

A história tem algum tempo e foi narrada num encontro de colegas de curso, entre dois dedos de conversa e muita curiosidade sobre o que passara nas nossas vidas entre tantos anos. Um dos membros do nosso círculo desenrolou um momento mais sério, até pouco condizente com o espírito do encontro, e falou de uma experiência que teve na área da sociologia num “vilarejo”, onde viveu e trabalhou.

Ali, confidenciou, a vertigem da mudança trouxe uma dinâmica imprevisível, fez libertar vozes que se diziam reprimidas, foram fundados projectos sociais, políticos e económicos sem par, em prol do bem-estar da pequena cidade. As ambições saltaram a cerca e os mestres da arte da cidadania sentaram-se na mesa do mediatismo, que cresceu ainda mais livre, aprimorado e impressivo. Na ágora social e mediática foram pedidas satisfações pelo passado, afastados timoneiros e germinaram novas ambições sociais, políticas e mercantilistas.

Tal frenesim, ainda à procura de esclarecimento, reflectia a vontade de colocar-se no melhor lugar possível para tirar partido da mudança. O elixir da ideia de mudança, tantas vezes inspirador, libertador, socialmente saudável, foi contaminado pelo tacticismo, pelas estratégias comunicativas sem conteúdo, pela pressão do imediatismo e pela leveza do mediatismo impactante.

Congelou-se a história, a aprendizagem do passado, o respeito pela experiência e pela sabedoria dos mais velhos... Só porque, dizem os analistas, chegara a vez dos mais novos ou de outros. O companheirismo, a amizade e a confiança foram hipotecadas com contrato sem termo.

Apanhado de surpresa pelo desabafo, entre conversas que tinham o cunho da leviandade, à moda de qualquer encontro de antigos colegas, na primeira oportunidade que tive para retorquir, sentenciei: “Não é por mero acaso que à minha ilha chamamos de paraíso na terra. Na minha pequena ilha, talvez devido à percepção de que somos poucos e precisamos de remar a favor do bem comum, com mais ou menos discordância nas correntes, não temos nada disso...!”

Evitando calcar sobre o peso do desabafo, foi dizendo que não somos a cidade de “Utopia” e que a amizade, a verdade, a transparência, o respeito, a integridade, a humildade, a confiança, não estão a soldo como naquele lugar. Enfim, não somos clientes da ambição desmedida e dos assaltos ao poder.