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Ataque a centro de detenção de migrantes na Líbia faz 44 mortos e gera condenação internacional

FOTO Reuters
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O ataque aéreo que atingiu um centro para migrantes nos arredores da capital líbia, Tripoli, matou pelo menos 44 pessoas e feriu mais de 130, segundo um novo balanço divulgado hoje pela ONU, e suscitou a condenação internacional.

O enviado da ONU à Líbia, Ghassan Salame, já declarou que este ataque aéreo pode constituir um “crime de guerra”, pedindo à comunidade internacional para o condenar.

Nas últimas horas, novas informações sobre o ataque ocorrido na terça-feira à noite têm circulado na Internet e têm sido divulgadas pelas agências internacionais. As condenações da comunidade internacional também se multiplicaram.

Vídeos divulgados online, com a indicação de que são do interior da estrutura atingida pelo ataque, mostram um cenário devastador, onde é possível ver sangue, vestígios de corpos de vítimas, destroços e pertences dos migrantes que viviam naquelas instalações, de acordo com as agências internacionais.

O ataque atingiu uma oficina de armamento e de veículos e uma espécie de hangar que integra o centro de detenção de Tajoura, nos arredores de Tripoli, onde estavam mais de 100 migrantes, a maioria oriundos do Sudão e de Marrocos, relataram dois migrantes em declarações à agência norte-americana Associated Press (AP).

Os dois migrantes, que falaram sob a condição de anonimato por medo de represálias, disseram que só três ou quatro pessoas das que se encontravam no hangar conseguiram sair ilesas do ataque e que várias dezenas sofreram ferimentos.

Segundo as mesmas testemunhas, os restantes migrantes morreram, admitindo que o número final de mortos pode ser muito maior.

O está a ser condenado a nível internacional e a suscitar preocupações sobre a política da União Europeia (UE) de estabelecer parcerias com as milícias líbias para evitar que os migrantes atravessem o Mediterrâneo.

A Líbia tornou-se nos últimos anos uma placa giratória para centenas de milhares de migrantes que tentam alcançar a Europa através do Mediterrâneo.

Mas, o país, imerso num caos político e securitário desde a queda do regime de Muammar Kadhafi em 2011 e devido a divisões e lutas internas de influência entre milícias e tribos, tem sido um terreno fértil para as redes de tráfico ilegal de migrantes e de situações de sequestro, tortura e violações em centros de detenção sobrelotados e precários.

O Governo de acordo nacional líbio, estabelecido em 2015 na capital líbia e reconhecido pela comunidade internacional (incluindo pelas Nações Unidas), está a atribuir o ataque ao exército nacional líbio liderado pelo marechal Khalifa Haftar, o homem forte da fação que controla o leste da Líbia e que lançou em abril uma ofensiva contra Tripoli.

O Governo com sede em Tripoli já pediu à ONU que investigue este ataque que, segundo as agências internacionais, pode vir a desencadear uma maior pressão do Ocidente em relação a Khalifa Haftar.

Várias organizações internacionais estão a condenar este ataque, como a Médicos sem Fronteiras (MSF), que tem equipas destacadas na Líbia.

O coordenador das operações locais desta organização relatou que uma equipa da MSF tinha visitado aquele centro poucas horas antes do ataque e afirmou, citado pela AP, que os sobreviventes temem pelas suas vidas, apelando à evacuação imediata destes centros de detenção.

Já num comunicado, a MSF falou “numa tragédia horrível que poderia ter sido facilmente evitada”, lembrando ainda que não é a primeira vez que migrantes e refugiados são apanhados no fogo cruzado do conflito em Tripoli.

A MSF precisou ainda que “mais de 600 homens, mulheres e crianças vulneráveis” estavam no centro de detenção de Tajoura na altura do ataque e que a estrutura que foi atingida albergava 126 pessoas.

O ataque foi igualmente condenado pelo Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).

“As duas organizações condenam veementemente este e qualquer outro ataque a vidas civis. Também pedimos o fim imediato da detenção de migrantes e refugiados. Pedimos uma garantia da sua protecção na Líbia”, indicaram o ACNUR e a OIM, num comunicado conjunto, em que apelam igualmente a “uma investigação completa e independente”.

Pelo menos 6.000 migrantes oriundos de países como Eritreia, Etiópia, Somália e Sudão estão detidos em dezenas de centros de detenção na Líbia, estruturas geridas por milícias locais frequentemente acusadas de tortura e de outros abusos.

A maioria dos migrantes foram detidos pela guarda costeira da Líbia, que conta com financiamento e treinamento europeus, quando tentavam atravessar o Mediterrâneo em direcção à Europa.

Os centros de detenção são descritos regularmente como espaços onde a comida e outros bens de primeira necessidade são limitados e escassos.

“Cerca de 3.300 migrantes e refugiados permanecem arbitrariamente detidos em Tripoli e nos arredores de Tripoli [zonas que ficam na linha de frente do conflito interno líbio] em condições que só podem ser descritas como desumanas. Além disso, os migrantes e refugiados enfrentam riscos crescentes à medida que os confrontos se intensificam nas proximidades. Esses centros devem estar fechados”, concluiu o comunicado conjunto da OIM e do ACNUR.

Também a UE, a União Africana e países como Portugal, França e Itália condenaram o ataque e exigiram uma investigação independente.