Sérgio Gonçalves nunca tomou posição sobre o futuro modelo de gestão dos fundos europeus?
Na última quinta-feira, a Assembleia Legislativa da Madeira discutiu um projecto de resolução, da autoria do PSD, que critica eventuais planos para a gestão centralizada em Lisboa dos fundos europeus, no que pode resultar na perda de poder por parte das regiões autónomas.
Nesse contexto, o deputado Victor Freitas (PS) questionou a bancada social-democrata sobre a razão de o Governo Regional nunca recorrer ao único eurodeputado madeirense no Parlamento Europeu, Sérgio Gonçalves, para interceder e influenciar a favor dos interesses regionais, considerando essa atitude reveladora de “uma certa xenofobia partidária por parte do Governo Regional”.
Na resposta, o deputado social-democrata Bruno Macedo questionou o que ganha a Madeira com a presença de Sérgio Gonçalves no Parlamento Europeu e, entre outras acusações disse não conhecer qualquer posição de condenação ou repúdio por parte de Sérgio Gonçalves sobre os planos para a futura gestão centralizada dos fundos europeus. “O que é que a Madeira tem ganhado com isso (um eurodeputado)? Qual foi a posição que o eurodeputado tomou sobre o assunto que aqui trouxemos? Alguém conhece, manifestou-se, deu-se de conta, repudiou, condenou? Não sabemos, não vimos, não sabemos de nada.”
Quisemos verificar se é verdade que o eurodeputado madeirense, eleito pelo PS, nunca tomou qualquer posição sobre o assunto. Será que não?
Antes de mais, impõe-se esclarecer que esta verificação de factos não visa apurar o que é ou deixa de ser do conhecimento de Bruno Macedo. O deputado do PSD afirmou desconhecer e tomamos como boa a sua afirmação. O que vamos verificar é se existiu ou não alguma posição de Sérgio Gonçalves sobre o modelo de gestão dos fundos comunitários, no próximo quadro.
Essa verificação foi feita com recurso a várias fontes.
A primeira coisa que fizemos foi verificar a existência de notícias, nos órgãos de comunicação social regional, sobre o tema. A segunda foi pesquisar o mesmo assunto, no sítio oficial do Parlamento Europeu e, em particular, sobre o deputado Sérgio Gonçalves. Por fim, pedimos ao eurodeputado um esclarecimento.
Na pesquisa directa no arquivo de notícias e respectivas reproduções nas redes sociais, encontrámos vários, tanto no DIÁRIO, como no JM e na RTP Madeira. Vejamos apenas algumas das mais significativas.
“O socialista sublinha que as regiões ultraperiféricas dependem de uma abordagem descentralizada e flexível que lhes permita adaptar o uso dos fundos europeus às suas especificidades” – DIÁRIO – 11 de Novembro de 2024.
"São as autoridades locais quem tem mais experiência e conhecimento sobre as necessidades das populações e, portanto, não devem ser descartadas da tomada de decisão dos investimentos nas suas regiões" – DIÁRIO – 12 de Novembro de 2024.
“Sérgio defende um modelo descentralizado na política de coesão” – RTP-Madeira – 21 de Novembro de 2024.
“Um exemplo concreto, no caso da Madeira, seria gerido e seriam definidas as prioridades, tudo num plano nacional, discutido em Lisboa e negociado com Bruxelas e, portanto, as regiões autónomas, neste caso governos regionais, autarquias, todas as entidades locais e regionais estariam de fora deste modelo” – JM - 26 de Maio de 2025.
“O eurodeputado Sérgio Gonçalves dirigiu duas perguntas escritas à Comissão Europeia sobre as consequências da revisão da Política de Coesão, apresentada este mês pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Raffaele Fitto. Em causa está o impacto que as novas regras poderão ter nas regiões menos desenvolvidas e nas regiões ultraperiféricas, como a Madeira, que são tradicionalmente beneficiárias de fundos europeus no âmbito da Política de Coesão” – JM - 21 de Abril de 2025.
No sítio da Internet do Parlamento Europeu, encontrámos várias iniciativas e participações de Sérgio Gonçalves sobre o modelo de gestão dos fundos comunitários, incluindo em debates em plenário, mas atentemos apenas ao ‘Relatório sobre o nono relatório sobre a coesão económica e social’ - Relatório - A10-0066/2025.
Sérgio Gonçalves foi relator-sombra (aquele que representa a sua força política, no caso, os socialistas europeus) do referido relatório. Nessa medida, assume uma posição clara e firme a favor da descentralização da gestão dos fundos de coesão.
Vejamos alguns pontos do relatório, que já foi aprovado: “Opõe‑se a todo e qualquer tipo de reforma que vise a centralização descendente dos programas de financiamento da UE, incluindo os programas em regime de gestão partilhada”; “o modelo descentralizado de programação e execução baseado no princípio da parceria (...) são elementos fundamentais e positivos da política e determinam a sua eficácia”; “seria um erro aplicar à política de coesão um modelo centralizado por excelência, como o que está por detrás do MRR (Mecanismo de Recuperação e Resiliência”.
Também conseguimos falar telefonicamente com o eurodeputado que nos garantiu ter levantamento publicamente a questão, por variadíssimas vezes. Por isso, Sérgio Gonçalves considera que só alguém “muito distraído ou por pura má-fé” pode dizer que não o fez. Acrescenta que essa participação aconteceu em muitas notícias, em artigos de opinião, em reportagem de televisão, em participações nos debates no Parlamento Europeu e em publicações nas redes sociais. Algo que conseguimos confirmar.
Pelo exposto, avaliámos como falsa qualquer afirmação que acuse Sérgio Gonçalves de não ter tomado posição sobre a gestão centralizada ou descentralizada dos fundos europeus.