Será que a venda da Madeira a outro país nunca foi proposta por um político?
A Madeira esteve, nos últimos dias, no centro de um equívoco criado pelo director do jornal ‘Correio dos Açores’, o ex-deputado social-democrata Natalino Viveiros, que, num editorial, atribuiu erradamente ao líder nacional do PS a ideia de que, após as últimas eleições na Madeira, este “arquipélago devia ser vendido aos EUA”. Pedro Nuno Santos sentiu necessidade de vir a público esclarecer que nunca proferira tais “declarações tão disparatadas” e que as mesmas não eram mais do que um conteúdo inserido no ‘Inimigo Público’, suplemento humorístico do ‘Expresso’. Ontem, o próprio Natalino Viveiros assumiu o seu erro.
Mas será que a ideia da venda da Madeira a outro país é tão “disparatada”, ao ponto de nunca ter sido feita por algum político?
Ocupado pelos portugueses há mais de seis séculos, o arquipélago da Madeira nunca deixou de ser território de Portugal. No entanto, houve períodos em que o controlo destas ilhas esteve na mão de outros países. Durante as guerras napoleónicas, no início do século XIX, por duas vezes a Madeira foi ocupadas por forças militares britânicas. A primeira ocupação (1801-1802) deu-se no contexto da Guerra das Laranjas, que opôs Portugal e Espanha. As tropas britânicas ocuparam a Madeira de Julho de 1801 a Janeiro de 1802. A segunda ocupação foi mais longa (1807-1814). Após a invasão de Portugal pelas forças napoleónicas em 1807, a Grã-Bretanha, aliada de Portugal, voltou a ocupar a Madeira para impedir que a ilha caísse sob domínio francês. Esta ocupação prolongou-se até Outubro de 1814. Em ambas as ocupações, a soberania portuguesa foi formalmente mantida, com as tropas estrangeiras a retirarem-se após o restabelecimento da normalidade em Portugal mas a influência britânica permaneceu, através de empresários que aqui se fixaram.
Durante a II Guerra Mundial, o Reino Unido chegou a fazer planos para ocupar a Madeira, por temer que as forças alemãs pudessem utilizar a ilha como base estratégica no Atlântico. A denominada operação ‘Ripper’ foi planeada secretamente em Londres, com conhecimento dos EUA, entre Fevereiro de 1942 e meados de 1943. O desembarque de tropas deveria ocorrer na Praia Formosa e no centro do Funchal. Este plano não chegou a ser executado.
De facto, a soberania portuguesa sobre a Madeira nunca esteve seriamente em causa. No entanto, já no século XXI, houve quem colocasse em cima da mesa a hipótese de venda do arquipélago a outro país. Foi o caso de Vital Moreira. Em 17 de Setembro de 2011, quando foi tornado público que o Governo da Madeira tinha escondido uma dívida pública superior a 1.100 milhões de euros, o antigo deputado e eurodeputado do PS escreveu um artigo no blogue ‘Causa Nossa’ intitulado “Venda-se a Madeira”! “O que há de mais grave no novo ‘buraco’ hoje revelado nas contas da Madeira não é tanto a dimensão do mesmo, apesar de ser enorme, mas sim o facto de ter sido deliberadamente escondido pelo Governo regional ao longo de vários anos e colocar agora em causa a credibilidade financeira do País, agravando os sacrifícios impostos pelo programa de ajuste orçamental. Decididamente, já não pode haver paciência para tanta aleivosia. Já basta de pagarmos os desmandos de Jardim e seus apaniguados. Se eles não querem aliviar-nos da sua indesejável companhia, só há uma solução: vender a Madeira a quem der mais”, lia-se no texto assinado por Vital Moreira.
Houve outros políticos que sugeriram que a Madeira podia deixar de fazer parte de Portugal, com propostas de concessão de independência. Manuel Monteiro, antigo líder nacional do CDS e do PND, foi um deles. A 1 de Janeiro de 2005, numa entrevista ao DIÁRIO, o então dirigente máximo do PND declarava: “Creio que é chegado o momento de dizermos que há muita gente cansada com a forma quase ofensiva como a liderança política madeirense trata a República e que, a manter-se, deveria ser encarada de uma forma substancialmente distinta. Isto é, com serenidade, deveríamos ponderar a possibilidade de independência para a Madeira”. Na mesma ocasião, Monteiro disse que, a breve prazo, Portugal deveria deixar de transferir dinheiro para a Madeira e que os madeirenses também não deviam pagar impostos ao país.
Refira-se que a ideia da independência não era propriamente original. Foi o que defenderam, no pós-25 de Abril de 1974, os madeirenses que aderiram ao movimento clandestino Frente de Libertação da Madeira (FLAMA). O próprio ex-presidente do executivo Alberto João Jardim acenou, por diversas vezes, ao longo de décadas de governação, com tal possibilidade. Em Fevereiro de 1978, o então líder líbio Khadafi fez um discurso na Organização de Unidade Africana (OUA) a exigir “a liberdade das nossas ilhas africanas que foram ocupadas” pelas potências europeias, nomeando a Madeira como um desses territórios “sob ocupação”.
Em resumo, já houve políticos portugueses e estrangeiros, de diferentes quadrantes partidários, a defender a venda, mas sobretudo a independência da Madeira.