Será inédito fugir por uma janela do Tribunal do Funchal?
Na tarde da última segunda-feira (ontem), o DIÁRIO noticiou, na edição on-line, que um homem de 48 anos se havia atirado de uma janela do Tribunal do Funchal. O indivíduo estava detido e fora apresentado para ser ouvido pelo juiz de instrução. A tentativa de fuga, a partir de uma janela do primeiro piso, foi mal sucedida, tendo o homem ficado com mazelas num tornozelo, sendo mesmo necessário ser socorrido pelo Bombeiros Voluntários do Funchal. Acabou por ser encaminhado para o hospital, para receber tratamento.
Arguido atirou-se da janela do Tribunal do Funchal
Um homem, de 48 anos, atirou-se hoje de uma janela do Tribunal do Funchal.
A notícia suscitou mais de 80 comentários nas redes sociais, em especial, no Facebook do DIÁRIO, havendo um conjunto de leitores a interpretarem o acontecimento como inédito, decorrente dos tempos actuais, em que predomina o sentimento de impunidade, mas também uma falta de valores, em especial, entre os mais jovens.
O que afirmam corresponderá à realidade e será mesmo um caso inédito?
A verificação da veracidade do que é afirmado e sugerido pelos leitores implica uma pesquisa aos arquivos noticiosos, da imprensa regional das últimas décadas. Depois vamos verificar se o acontecido é sinónimo de falta de valores dos jovens contemporâneos.
Vejamos alguns casos, identificados numa pesquisa que, mais do que exaustiva, pretendeu ser exemplificativa.
O caso mais antigo, dos que considerámos, aconteceu a 30 de Junho de 1988, quando um indivíduo de cerca de 20 anos fugiu do Tribunal de Santa Cruz, quando se encontrava a prestar declarações. Era conhecido pela alcunha de ‘A Pomba’ e já se havia evadido antes do Estabelecimento Prisional.
Em 1992, no mesmo Tribunal, um indivíduo, que aguardava julgamento, “conseguiu fugir às forças policiais quando recebeu autorização para ir aos lavabos.”
Em Janeiro de 2003, a saga do ‘Asa Delta’ aconteceu no Tribunal do Funchal. No dia 16 daquele mês, voltou a confirmar a razão da alcunha e evadiu-se do Tribunal, onde estava para ser ouvido por um juiz. O indivíduo escapou por uma janela do segundo piso e esteve dois dias em liberdade. Foi recapturado e regressou ao Estabelecimento Prisional na Cancela.
A 24 de Janeiro de 2008, deu-se outra fuga por uma janela do Tribunal do Funchal. Um detido, de 25 anos e de alcunha ‘O Gama’, evadiu-se quando aguardava interrogatório.
Em 2011, a 18 de Janeiro, outro homem, de 25 anos, tentou atirar-se pela janela do Tribunal do Funchal, quando era ouvido por um juiz. Neste caso, ficou a dúvida se terá tentado uma fuga ou suicidar-se, pois o acto deu-se após ficar a saber que se sujeitava de uma pena de prisão de até oito anos.
Na nossa pesquisa, encontrámos vários outros casos em que detidos e/ou presos tentaram e, em vários casos, conseguiram evadir-se da detenção ou prisão, em especial, através de janelas. Há vários relatos de fugas de detidos no Hospital Central do Funchal e até mesmo de casos semelhantes no continente. Neste aspecto, destaca-se um caso ocorrido em do dia 18 de Outubro de 2018, quando três assaltantes fugiram do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, depois de o juiz de instrução lhes decretar prisão preventiva. Os assaltantes fugiram por uma janela. Eram dois gémeos de 35 anos e o sobrinho deles de 18 anos.
Em todos os casos aqui tratados, os fugitivos foram recapturados e viram a sua situação perante a Justiça piorar.
Como se pode constatar pelos casos referidos, em especial para a Madeira, mas também no continente, há pelo menos 30 anos que há fugas de detidos/presos dos tribunais e, já então, também de jovens. Nos casos mais recentes, como no de segunda-feira, as pessoas que fugiram até eram mais velhas. O que escapou do Tribunal do Funchal tinha 48 anos. Os que escaparam no Porto tinham 35 anos e só um de 18.
Assim, constata-se que nada tem de inédito fugir pela janela de um Tribunal, nem mesmo no do Funchal, nem o acontecimento recente é de forma alguma sinal de impunidade ou de falta de valores dos jovens de agora. Sempre houve fugas, sempre envolveu jovens e adultos não jovens, como no caso de segunda-feira e a Justiça pune-os. A haver falta de valores é algo transversal a várias idades e tempos. Como tal, avaliámos as afirmações e sugestões dos leitores como falsas.