Será que os madeirenses têm atitudes que podem enganar os políticos?
O antigo presidente do Governo e líder histórico do PSD-Madeira Alberto João Jardim afirmou, ontem, na sua conta na rede social ‘X’, que a população madeirense brinda com gestos de simpatia todos os políticos e que estes, erradamente, tendem a confundir essa benevolência com apoio político. “O povo madeirense é educado e afável. Trata bem todos. Ora, se há ‘políticos’ que confundem isto com uma promessa de voto, mais uma vez demonstram não ter conhecimento da realidade regional”, referiu o veterano social-democrata. Será que as atitudes dos cidadãos madeirenses podem ser mal interpretadas e induzir os políticos a pensar que granjeiam mais apoios do que aqueles que efectivamente têm?
Esta questão já foi abordada por políticos de vários quadrantes partidários e não apenas por Jardim. Por exemplo, Dorisa Aguiar, uma jovem professora de História que nas últimas eleições autárquicas se estreou na política como candidata pelo PS à Junta de Freguesia de São Jorge, confessou que ficou surpreendida e triste por a realidade que viu no terreno, no contacto com os eleitores, não ter correspondência com o resultado eleitoral. “Quando estamos a fazer campanha porta a porta, as pessoas queixam-se, as pessoas sabem os problemas que têm, mas na hora do voto... votam nos mesmos. E isto não se consegue conceber como é que há esta atitude. Faz-me confusão. As pessoas não vêem as coisas como elas são”, lamentava-se numa reportagem publicada no DIÁRIO em 31 de Dezembro de 2023.
Também Roberto Almada, do Bloco de Esquerda, percebeu há muito tempo que existe uma enorme distância entre aquilo que o povo diz e aquilo que o povo faz. Em Abril de 2008, revelava que o seu partido fora obrigado a mudar de estratégia pois já tinha sido enganado pelas populações de determinados sítios: “Estamos a evitar irmos para um sítio - como já fizemos também e achamos que é um erro - onde estão os dirigentes do BE mais os militantes do BE, a pedido das pessoas e as pessoas não aparecem. Entendem que nós somos bons para ajudá-los, mas quando chega à hora do voto vão votar no PSD. Se querem votar no PSD, vão pedir ao PSD que as ajude. Se querem a nossa ajuda, contam com a nossa ajuda, mas têm de dar a cara connosco”.
Três anos depois, Guida Vieira, outra dirigente histórica do Bloco de Esquerda, foi mais dura nos reparos ao comportamento da população. “O povo madeirense é muito ingrato, sim, senhor. Bate à porta dos partidos que sabe que apoiam as suas reivindicações, sobretudo CDU e BE, e depois esquece que foram estes a defender os seus interesses. O povo madeirense, infelizmente, é ingrato e oportunista. Há um complexo da esquerda de assumir esta crítica ao povo. O povo tem sempre razão, uma ova!”, disse numa entrevista publicada a 19 de Novembro de 2011.
Raul Ribeiro, que nas últimas três eleições regionais foi candidato pelo JPP, numa crónica publicada no DIÁRIO a 2 de Agosto de 2005, explicava como o povo se socorria da CDU “sempre que algo está mal ou demora a ter solução”. “Infelizmente, o povo é ingrato, e acaba pondo a ‘cruzinha’ nos do costume”, rematava.
Mas a descrição mais impressiva do ambiente enganador das campanhas eleitorais na Madeira foi deixada pelo antigo líder do CDS, Ricardo Vieira, num artigo de opinião publicado no DIÁRIO a 7 de Outubro de 2014, intitulado ‘A ronha’. “Estava num adro de uma das nossas igrejas, num domingo, à espera do fim da missa, para poder fazer uma acção de campanha. Já não sei qual era a eleição. Não era só eu, mas lado a lado, os partidos ocupavam os locais de melhor propagação de som e de maior visibilidade. Enquanto se celebrava a missa cá fora, acotovelavam-se os candidatos procurando convencer quem fora da igreja, por aí se encontrava. Oiço, ao meu lado, um candidato a pedir apoio a uma popular que, sorrindo lhe dizia que sim e elogiava o seu protagonismo regional. Satisfeito parte para outro contacto, e a até então sorridente, já longe dos seus ouvidos, cerra os dentes e vocifera: Vais ter! Fiquei estupefacto!”, relatou o antigo líder centrista.
Ricardo Vieira prosseguiu a análise ao fenómeno: “O voto secreto, sendo um enorme trunfo de liberdade, por ser secreto, favorece este jogo de simulação em que muitos se especializaram. Ainda por cima joga com esta horrível característica do madeirense de não ser transparente. Pode dizer uma coisa e fazer outra. Legaliza o cinismo e dá azo a um certo bipolarismo político! Pior, pode prometer-se um comportamento, ganhando proveitos e fazer outra coisa na descrição da decisão. Essa duplicidade pode dar lucro e ser mais proveitosa do que a hombridade e a verdade da conduta. Esta ronha é a defesa do medroso. É também a arma do graxista e do lambe-botas. É desleal porque permite concorrência de benesses entre situações desiguais. É sinuosa e charmosa para quem ouve o elogio, mas é traiçoeira e cruel para quem faz contas no final. Vive bem com Deus mas pactua com o Diabo! Tem a chuva na eira e o sol no nabal! A ronha é também sinal de dependência e de esperteza. Uma sociedade onde se generaliza a ronha é uma sociedade de oportunistas ou de quem não gosta de assumir. A ronha é uma certa corrupção mas de quem não tem ou não usa o dinheiro”.
Esta amostra de testemunhos e opiniões de quem participou durante muitos anos em actos eleitorais leva-nos a concluir que é verdade que os políticos podem facilmente enganar-se na percepção que têm sobre o efectivo apoio dos eleitores madeirenses.