A democracia está a passar por uma nova fase
Coordenadora da UMAR, Joana Martins, mede a temperatura política ao nono dia de campanha
Estas eleições regionais antecipadas acontecem menos de um ano depois das anteriores, sendo que estamos perante uma repetição de ciclos. Durante muitas décadas, especialmente a nível regional, mas também no Continente e Açores, a maioria absoluta foi sinónimo da dita “estabilidade governativa”. No entanto, o tempo das maiorias absolutas obtidas por um único partido terminou, um pouco por todo o lado, e deixou marcas, vícios, tentáculos que teimam em querer persistir.
No fundo, a democracia está a passar por uma nova fase, e estamos a sofrer “dores de crescimento” ou de transformação. O problema é que as pessoas que são eleitas não estão a conseguir lidar com estas mudanças e dialogar de forma a garantir a dita estabilidade. Continuam sem conseguir fazer consensos e acordos em prol de causas transversais e necessidades das pessoas, prosseguem nas suas capelinhas e o resultado está à vista. Por sua vez, tem que haver mais transparência e dignidade no que diz respeito a exercer um cargo político.
Não é aceitável estarmos a saltar de escândalo em escândalo, com suspeitas de corrupção dos nossos mais altos representantes. Temo que essa realidade e o facto de estarmos sempre a repetir eleições canse o eleitorado, fazendo com que cresça o dito “voto de protesto” com consequências desastrosas para a democracia, ou que simplesmente se deixe de acreditar num futuro mais estável e suba a abstenção que, por si só, já é extremamente elevada.
Só que, quer queiramos quer não, são os representantes eleitos que decidem o rumo das coisas, e de nada adianta se queixar e reclamar no dia após as eleições. São as pessoas que decidem o futuro com o seu voto e, se houver repetição de resultados, está mais do que visto que as pessoas querem que haja um entendimento entre várias forças partidárias, e não querem regressar ao tempo das maiorias absolutas. Por mais que custe àqueles que se habituaram a essa realidade, é tempo de mudar e de evoluir para sairmos deste ciclo vicioso.
Não há como fugir da queda do governo nacional e isso terá influência nos resultados das eleições regionais. A “doença” é a mesma: escândalos. No entanto, esta crise foi acelerada pelo próprio Montenegro, com a apresentação de uma moção de confiança com chumbo garantido, depois de ter “sobrevivido” a duas moções de censura. Há razões que a própria razão desconhece?... Vale também lembrar os escândalos em outros partidos, dos quais o CHEGA destaca-se pela negativa. Depois do triste episódio das malas roubadas por Miguel Arruda, ficamos a saber que 15 deputados e dirigentes dessa força partidária têm problemas com a justiça e o fisco, para além de um ex-militante ter sido acusado de abuso sexual e um dirigente atual de prostituição de menor. A política deve ser encarada com mais seriedade e respeito, e os partidos têm que ser o exemplo na prática, e não apenas nas palavras.
A semelhança entre as propostas e programas eleitorais de diversos partidos da oposição. É gritante, às vezes torna-se repetitivo assistir às reportagens das diversas ações de campanha, e deixa-me a pensar se não deveriam se sentar, dialogar em pé de igualdade e formar uma espécie de coligação assumida, em vez de brincarem às casinhas e aos acordos pós-eleitorais. Essa dificuldade de por as diferenças e os egos de parte e se unir é, muitas vezes, o que leva a que as pessoas olhem com desconfiança para as possíveis alternativas. A dificuldade de união e consenso não está apenas em quem tem governado; está também em quem quer ser alternativa. E tenho visto muitos erros cometidos e oportunidades perdidas na última década, só por causa do individualismo partidário. Aguardo por cenas dos próximos capítulos.
A temperatura da campanha é essa mesmo: morna. Muitas pessoas estão um pouco desmobilizadas e cansadas de campanhas eleitorais. Outras estão ainda desiludidas com alguns partidos onde votaram anteriormente pelas suas manobras políticas, e com outros que se envolveram em escândalos. Quem tem alguma consciência social e política está com maiores dificuldades em acreditar, por assim dizer. Há até quem diga que vai votar por consciência da importância do voto, mas sem convicção. Este é um mau sinal para a democracia. Passadas estas eleições, todos os partidos deviam fazer uma autoavaliação das suas estruturas e perceber que o que está a acontecer não é devido às “circunstâncias externas” apenas. Têm que fazer mea culpa, deixar de sacudir a água do capote, corrigir o que está mal e mudar.
A campanha eleitoral está muito virada para a comunicação social. Então, muitos partidos envolvem líderes nacionais para maior visibilidade, ou realizam iniciativas com os seus próprios militantes e simpatizantes para mostrar número. Por sua vez, o partido que tem estado no governo fala mais do passado do que no futuro, não percebendo que as pessoas já estão a expressar há algum (muito) tempo que querem uma fórmula diferente, e que o tempo não volta pra trás. E tenho que mencionar os cartazes. Analisando de forma geral, sem particularizar, considero que muitos falham em passar uma mensagem clara ou apelativa e outros são deveras populistas, feitos por forças partidárias que, como se costuma dizer, “não têm sarna para se coçar”. Às vezes, menos é mais.