Só a PSP pode passar multas de trânsito?
A fiscalização do trânsito e do estacionamento irregular na Madeira tem sido um tema recorrente de debate, especialmente no que diz respeito às competências das forças de segurança na Região. Na edição impressa de hoje, no espaço destinado ao Flagrante, a leitora Inês Silva expõe a sua indignação questionando se “ninguém vê os abusos diários que se cometem”. Acusa de repente “reina a selva na cidade do Funchal”.
Ora, apesar da constatação, porque ainda hoje, a máquina do fotógrafo do Rui Silva, captou várias infracções em pleno coração da capital, logo a pergunta que se impõe: afinal quem pode multar? Só a PSP? A GNR pode actuar?
Neste Fact-Check vamos clarificar as competências atribuídas a cada uma. Para isso temos de observar o que diz a lei orgânica. E no artigo 37, da 63/2007, refere que “nas regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, os comandos territoriais têm sede em Ponta Delgada e no Funchal e, sem prejuízo de outras missões que lhes sejam especialmente cometidas, prosseguem, na respectiva área de responsabilidade, as atribuições da Guarda no âmbito da vigilância da costa e do mar territorial e da prevenção e investigação de infracções tributárias e aduaneiras, dependendo funcionalmente da Unidade de Controlo Costeiro e da Unidade de Acção Fiscal, relativamente às respectivas áreas de competência”. Ou seja, em matéria de trânsito a GNR não tem essa missão salvo raras excepções. E já la vamos a elas.
Cabe então à Polícia de Segurança Pública a atribuição principal de regular o trânsito e fiscalizar infracções relacionadas ao Código da Estrada, enquanto a Guarda Nacional Republicana, apesar de actuar em determinadas circunstâncias, não tem competência directa para esse tipo de fiscalização, salvo em casos de flagrante ou por solicitação do Governo Regional. Ou seja, imagine que vai a conduzir com o telemóvel, uma infracção grave que pode ser alvo de uma coima mesmo que o agente seja da GNR.
De acordo com a Lei Orgânica da GNR, publicada em 2007, as competências desta força policial na Madeira estão mais direccionadas para a fiscalização aduaneira e tributária, bem como para a vigilância costeira. A reforma da estrutura da GNR na Madeira, que ocorreu em 2008 com a extinção da Brigada Fiscal, reforçou ainda mais esse direccionamento, mantendo o Comando Territorial da GNR focado nestas áreas e afastando-o da gestão do tráfego rodoviário, tradicionalmente a cargo da PSP.
O próprio comandante da GNR na Madeira, coronel Vieira Correia, declarou em 2008 que não via necessidade de haver duas polícias a actuar no trânsito, reforçando que essa competência já estava bem desempenhada pela PSP. Também destacou que a GNR não possuía radares ou alcoolímetros, elementos fundamentais para a fiscalização eficaz das regras do trânsito. Dessa forma, ficou estabelecido que a PSP manteria a exclusividade na fiscalização do Código da Estrada na região, enquanto a GNR apenas interviria em situações pontuais, como flagrantes.
Nos últimos anos, diversas irregularidades no trânsito e no estacionamento abusivo na Madeira vieram a público, demonstrando que a fiscalização, embora existente, enfrenta desafios significativos. Um dos problemas recorrentes tem sido a ocupação indevida de espaços públicos por veículos estacionados irregularmente, muitas vezes em passeios, zonas de carga e descarga, ou mesmo em locais reservados a pessoas com mobilidade reduzida.
Uma das infracções mais divulgadas ocorreu no Funchal, onde são identificadas dezenas de veículos estacionados em locais proibidos, especialmente na zona do Mercado dos Lavradores e da Rua Fernão de Ornelas, onde há grande circulação de pedestres. As denúncias da população levam a PSP a intensificar a fiscalização, resultando em várias multas aplicadas. No entanto, moradores e comerciantes continuam a reclamar da reincidência dessas infracções, sugerindo que a fiscalização ainda é insuficiente para coibir essas práticas de forma eficaz.
Outro caso notório envolveu um aumento significativo das infracções por estacionamento abusivo durante eventos turísticos e festividades na Madeira. Durante o Festival do Atlântico, por exemplo, verificou-se uma enorme quantidade de veículos mal estacionados em zonas proibidas, dificultando a circulação de transportes públicos e serviços de emergência. A PSP foi obrigada a intervir e chegou a rebocar vários veículos que bloqueavam vias principais e acessos.
Outro ponto que tem gerado debate é a falta de fiscalização em algumas estradas secundárias, onde condutores cometem infracções sem grande risco de serem sancionados. Em algumas localidades, moradores relataram que a presença policial é rara e que muitos motoristas se aproveitam da ausência de fiscalização para desrespeitar as normas de trânsito, colocando em risco a segurança de peões e outros condutores.
A dificuldade na gestão do trânsito na Madeira também se reflecte na ausência de uma coordenação mais eficaz entre as entidades responsáveis. A PSP, que tem a competência exclusiva na fiscalização das regras de trânsito, enfrenta desafios operacionais para cobrir todas as áreas com a frequência necessária. Enquanto isso, a GNR, que poderia ser uma força complementar em determinadas circunstâncias, não tem uma actuação expressiva no trânsito da Região. Essa divisão de competências, embora juridicamente clara, pode resultar em lacunas na fiscalização, especialmente em momentos de grande fluxo turístico ou em eventos de grande afluência.
A fiscalização de estacionamento irregular, por exemplo, poderia ser reforçada com o uso de novas tecnologias, como câmaras de monitorização e sistemas de denúncia digital, permitindo uma actuação mais rápida e eficaz das autoridades. Algumas cidades no continente já adotaram medidas como estas, o que levou à redução significativa de infracções relacionadas ao estacionamento.
Em conclusão, a fiscalização do trânsito e do estacionamento irregular na Madeira é uma questão complexa, que envolve desafios operacionais, falta de recursos e necessidade de maior coordenação entre as entidades responsáveis. Enquanto a PSP mantém a competência exclusiva nesta área, a reincidência de infracções e a insatisfação de moradores demonstram que ainda há espaço para melhorias. Medidas como o aumento do efectivo policial dedicado ao trânsito, o uso de tecnologias avançadas e a criação de campanhas de sensibilização podem ser passos importantes para garantir um trânsito mais seguro e organizado na Região.