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Crónicas

Trump e o dia que será recordado

O encontro a que assistimos esta semana, entre o presidente norte-americano Donald Trump e o congénere ucraniano Volodymyr Zelensky deixou muita gente em estado de choque e estupefacção perante o comportamento pouco diplomático e bullie do primeiro mas é apenas a confirmação de todos os recentes sinais que vinham da Casa Branca. O Ocidente não é mais aquele bloco unido e coeso das ultimas décadas e uma nova ordem mundial aproxima-se. Num tempo em que os estadistas escasseiam, o palco político americano vai-se gerindo ao ritmo mediático, medido por likes nas redes sociais e assente em performances circenses, muito bem ensaiadas, ao melhor estilo de um reality show. Tudo serve para achincalhar sob a capa de que é colocada a América primeiro e os seus superiores interesses são assim mais bem defendidos, pouco importando que para isso se tente humilhar quem está em baixo, vergado perante uma situação deveras difícil e que se arrasta há mais de 3 anos. Basta para isso ver a forma como se escolhem a dedo as perguntas feitas aos protagonistas, chegando ao cúmulo de se questionar a indumentária de um líder de um país convidado, que não foi mais do que a sequência de uma afirmação em tom jocoso, logo no momento da recepção.

E é para nós profundamente revoltante sentirmos que o nosso parceiro mais fiável, aquele em quem depositámos todas as esperanças, em quem confiámos e com quem erradamente fomos criando profundas dependências, vira agora as suas agulhas e os seus valores. Sentimo-nos como aquela pessoa que é traída precisamente no momento mais delicado, naquela altura em que mais precisava de apoio.

Eu continuo a retirar de tudo isto uma visão positiva para o que nos interessa particularmente. Não a curto prazo evidentemente mas mais lá para a frente. Sim, provavelmente é tarde para resolver o que há para resolver agora mas nunca é tarde para construir algo diferente para os que hão-de vir. A Europa que se achava intelectualmente superior e que durante anos se perdeu em burocracias e discussões pífias caiu em decadência por culpa própria, emaranhada no que achávamos ser a liberdade e absorvida pela ingenuidade de nos sentirmos na obrigação de evangelizar os que pensam de forma diferente. Embalados por um sonho do livre comércio e de uma união a uma só voz, anestesiados por uma paz que achávamos ser duradoura, fomos deixando que outros crescessem à nossa volta sem que nos conseguíssemos focar no essencial. Como podemos nós competir num Mundo cada vez mais veloz e momentâneo se para tomar uma decisão precisamos de sentar à mesma mesa 27 Estados e de arranjar consensos entre interesses tão dispares contra nações ditatoriais onde se fazem escolhas e se definem caminhos de forma instantânea sem a preocupação de agradar a “gregos e troianos”? Como pudemos nós achar que seria sensato construir uma sociedade sem uma autonomia tecnológica, industrial e alimentar, prejudicando os nossos com burocracias e taxas que os impediram de progredir e de criar as bases para um futuro sustentável?

Temos sido nós os nossos primeiros inimigos. Fomos perdendo a nossa independência e com ela a nossa legitimidade. Deixámos de contar e somos vistos como uma manta de retalhos, material pesado e obsoleto. É tempo de darmos inicio a uma nova Era, sem perdermos os nossos princípios mas recentrando as nossas prioridades, criando condições para sermos uma potência geopolítica independente. Talvez este formato de União já não sirva, talvez tenhamos que repensar o modelo da Nato criando o nosso modelo, definitivamente temos que perceber que não podemos contar com os outros e esperar que venham sempre em nosso auxílio resolver os nossos próprios problemas. Uma coisa é certa, chegou o momento em que nos deparamos com a dura realidade. Não somos o que achávamos ser.

Resta perceber o que quer Donald Trump com tudo isto e que caminhos irá trilhar. Se conseguir parar a guerra em solo ucraniano juntando-lhe a do Médio Oriente há quem diga que será o mais forte concorrente ao Prémio Nobel da Paz. Não deixa de ser uma ironia perante tão pouco empática e humanista personagem. Mas Trump não é do estilo de se colocar de cócoras perante ninguém. Sabendo que através da paz se conquistam economias mais estáveis e prósperas (e que o seu foco é o dinheiro) que posicionamento terá depois em relação à Rússia e à China? Veremos o que nos reservam os próximos episódios...