Miguel Filipe Machado de Albuquerque é advogado, tem 63 anos, fará 64 a 4 de Maio, já depois das eleições regionais antecipadas, marcada para 23 de Março próximo e as quintas em que será cabeça-de-lista do PSD. As segundas que vai disputar com o peso de um processo judicial em que é arguido, que envolve suspeitas de crimes de corrupção e que, há pouco mais de um ano (24 de Janeiro de 2024), fez cair o Governo Regional.
Além de se ver envolvido num processo iniciado por uma denúncia anónima, Albuquerque ‘perdia’ o seu ‘número dois’, Pedro Calado, então presidente da Câmara Municipal do Funchal que foi um dos detidos na operação que trouxe à Madeira quase duas centenas de inspectores da Polícia Judiciária, magistrados do Ministério Público mas que, ao fim de um ano, ainda não avançou. Albuquerque nunca foi ouvido, nem pedido o levantamento da sua imunidade.
Pelo meio, em Maio do ano passado, naquelas que foram as eleições mais difíceis que o PSD-Madeira disputou, com todos os prognósticos a apontarem para uma quebra eleitoral acentuada e até mesmo a derrota, conseguiu uma vitória por números que ficaram muito acima do esperado. O partido ‘laranja’ ganhou, mesmo perdendo dois deputados e conseguiu formar um governo minoritário que, com muitas negociações, fez aprovar um programa e um orçamento.
Miguel Albuquerque parecia ter a situação política controlada quando a justiça voltou a entrar em cena. A operação ‘Ab Initio’ não o envolve, mas atingiu membros do seu executivo, com as pastas da Saúde, Finanças e Equipamentos. Outra denúncia anónima atingiu o secretário do Turismo e Cultura, Eduardo Jesus. E foi este último caso que levou a uma moção de censura, apresentada pelo Chega, por ordem directa de André Ventura e que foi aprovada por PS, JPP, IL e PAN. O Governo Regional voltou a cair e a Madeira vai para as segundas eleições em menos de um ano.
Entretanto, Eduardo Jesus já foi ilibado das acusações e passa a ser um trunfo que o PSD pode jogar.
É neste cenário que Miguel Albuquerque vai a mais umas eleições em que tem de confirmar o que dizem de si: é um sobrevivente. Para muitos, sobretudo no PSD, tem ‘sete vidas como um gato’, só não sabe quantas já gastou.
Uma dessas ‘vidas’ terá sido poupada quando evitou novas eleições internas no partido, exigidas por Manuel António Correia, o adversário que bateu nas ‘directas’ de Março do ano passado, por uma margem não muito folgada. O pedido de congresso e eleições para o líder foi rejeitado por irregularidades nas assinaturas e a data das ‘regionais’ escolhida por Marcelo – com a bronca de não serem realizadas com a nova lei eleitoral – ajudou, uma vez que não há mesmo tempo para disputas internas.
Natação, música e ‘jota’
Miguel Albuquerque casou três vezes, tem seis filhos e dois netos, não é dos políticos mais velhos, mas é certamente dos mais experientes. Desde muito jovem, ainda na década de 70 do século passado, nos primeiros anos da Democracia e da Autonomia, foi militante e dirigente da Juventude Social Democrata de que foi presidente.
Nascido numa família com ligações aos Açores, a José do Canto – a estátua que se encontra no Palácio de Santana é a sua ‘cara’ -, é neto de Francisco Machado, um dos jovens oficiais que participaram na Revolta da Madeira, em 1931 e que, como sempre assumiu, o marcou muito.
Desde muito novo a música foi uma parte importante da sua vida. É um pianista que, dizem os entendidos, poderia ter seguido uma carreira profissional. Não foi assim, mas tocar em hotéis e bares, quando ainda tinha 15 anos e, mais tarde, nas férias da faculdade, ajudou a aumentar a ‘mesada’.
Ainda hoje toca e até tem uma banda, ‘Velhos Hotéis’, que junta amigos músicos para ‘covers’ revivalistas.
Ao mesmo tempo que tocava piano e fazia parte da recém-criada ‘jota’, Miguel Albuquerque praticava natação, no Clube Desportivo Nacional e passou por outras modalidades.
Na natação teve bons resultados, foi campeão da Madeira e ainda hoje participa em ‘águas abertas’, como a clássica Barreirinha – Pontinha em que chegou a nadar ao lado do célebre José da Silva ‘Saca’.
O momento desportivo mais recente foi no atletismo, com a participação na última São Silvestre.
Mas foi na política que Miguel Albuquerque teve os melhores ‘tempos’. A sua ascensão no PSD foi quase meteórica. Da JSD passou para a Assembleia Regional, onde era vice-presidente quando, em 1993, Alberto João Jardim o foi buscar para ser ‘número dois' de Virgílio Pereira, a escolha ‘laranja’ para tentar manter a Câmara do Funchal.
Virgílio ganhou mas, pouco tempo depois demitiu-se, em choque com Jardim e por se considerar enganado sobre as contas do município. Com 33 anos, Miguel Albuquerque foi promovido a presidente da câmara e ficou no posto quase 20 anos.
Entretanto desenvolveu uma paixão por rosas. Chegou a ter milhares de roseiras e espécies e a sua colecção, na Quinta do Arco, foi considerada uma das melhores da Europa.
Uma quinta que, mais tarde, iria ser o centro da polémica, depois da venda a um fundo de investimento que a arrendou ao Grupo Pestana. Um negócio que continua a ser recordado, nas investigações judiciais e no debate político.
De delfim a quase expulso
Miguel Albuquerque era, sem margem para dúvidas, o principal ‘delfim’ de Jardim mas os sucessivos adiamentos da saída de cena do líder histórico tiveram como consequência um choque frontal entre os dois. A Câmara entrou em guerra com o Governo Regional e Albuquerque passou de delfim a adversário em pouco tempo. Só não caiu porque entretanto foi ganhando eleições e provando que tinha eleitorado próprio.
O distanciamento de Jardim foi tal que o líder chegou ao ponto que querer expulsar Albuquerque do PSD, o que só não aconteceu porque o presidente do Conselho de Jurisdição, José Prada, não obedeceu às ordens do líder. Esta foi uma das ‘vidas’ gastas.
Não foi expulso e até enfrentou Jardim numas eleições internas. Em 2012, ficou a poucas dezenas de votos de ganhar as ‘directas’ que iria vencer, dois anos mais tarde, enfrentando cinco adversários e batendo, na segunda volta, Manuel António Correia.
Perda da maioria absoluta
Em 2015, Miguel Albuquerque disputou, pela primeira vez, umas eleições regionais. Segurou a maioria absoluta por 12 votos e formou governo.
Nesses anos ficou claro que a sua marca seria a normalização da vida política regional que se reflectiu no funcionamento do parlamento e num diálogo menos agressivo, como acontecia com Jardim.
Mas tanto ‘renovou’ que acabou por ser surpreendido, nas eleições autárquicas de 2017, a meio do mandato do Governo. O PSD perdeu gás e muitos votos e foi preciso tocar a reunir.
Dois anos depois, voltou a dar uma prova de sobrevivência. Nas eleições de 2019, quando a opinião generalizada – e as sondagens apontavam para isso – era que Paulo Cafôfo e o PS iriam ganhar, conseguiu uma vitória surpreendente. Antes já tinha dado um sinal de que estava a recuperar, nas ‘europeias’, a que poucos terão dado valor. Um erro fatal dos adversários.
Pela primeira vez, desde 1976, o PSD perdia a maioria absoluta, mas formava um governo de coligação, com o CDS que iria durar toda a legislatura, contra os prognósticos iniciais.
Em 2023, PSD e CDS ficaram a um deputado da maioria absoluta. Parecia quase impossível garantir uma maioria, mas Albuquerque usou mais uma ‘vida’ e conseguiu o apoio parlamentar do PAN.
Depois, foram os casos de justiça a criar o cenário em que nos encontramos. A 23 de Março, Miguel Albuquerque tem mais uma prova de sobrevivência.