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Fact Check Madeira

É possível proibir a venda de imóveis a não residentes?

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Hoje, durante a visita a uma empresa de imobiliário (Century21), no Funchal, o presidente do Governo Regional voltou a manifestar total oposição a qualquer condicionamento da venda de imóveis a não residentes.

“Sou contra isso, o mercado tem de funcionar e ainda bem que funciona. Essa ideia socialista de controlar preços e controlar o mercado leva sempre a disfuncionalidades e prejudica toda a gente”, afirmou Miguel Albuquerque.

A posição do chefe do Executivo suscitou comentários, no Facebook do DIÁRIO e na plataforma online, alguns defendo a proibição e venda de casas a não residentes.

“Era só parar a compra de imóveis por não residentes e acabam os preços especulativos e o incentivo à construção de luxo/premium”, foi um dos comentários destacados.

A grande dúvida que se coloca, mesmo antes de avaliar a eficácia da medida, é saber se a Região teria competência para aplicar essa proibição

Independentemente da possibilidade, ou não, de legislar sobre esta matéria, Miguel Albuquerque comete um erro de avaliação política, quando afirma que a proibição e venda de casas a não residentes é uma medida socialista.

É verdade que um dos governos que está atentar aprovar legislação para restringir a venda de casas a não residentes é o espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sanchez, mas foram governos como o do Canadá, liberal, que concretizaram a medida.

A avaliação das competências de uma região autónoma nesta matéria obriga a percorrer legislação nacional e europeia.

Começando pelo Estatuto Político-Administrativo da Madeira, lei logo ‘abaixo’ da Constituição da República, fica claro, no artigo 40º, na alínea z) que ‘Habitação e urbanismo’ são ‘Matérias de interesse especifico’ da Região, sobre as quais a Madeira tem “poderes legislativos ou de iniciativa legislativa” e tem de ser consultada pelos órgãos de soberania.

Ou seja, a Madeira pode legislar sobre a habitação, mas isso não significa que possa alterar princípios do Direito Civil, nomeadamente o que diz respeito à propriedade privada.

Os juristas que já se pronunciaram sobre esta matéria, sobretudo ao nível europeu, entendem que os próprios Estados-membros da União Europeia estarão muito limitados quanto à proibição de venda de imóveis a não residentes. Por isso mesmo, seria muito difícil que essa capacidade fosse dada a regiões autónomas.

O entendimento jurídico é que uma decisão como esta teria, sempre, de ser aprovada pela Assembleia da República.

Foi isso mesmo que tentou o Bloco de Esquerda, em 2023, com um diploma que pretendia impedir a venda a não residentes, para impedir que Portugal continuasse a ser “um paraíso para fundos imobiliários, vistos gold, nómadas digitais e residentes não habituais, com regimes de desigualdade e de privilégio de consequências desastrosas”, como afirmava o deputado do BE José Soeiro.

Um diploma que não teve sucesso, mas que levantou várias questões sobre o que terá de ser feito para travar a especulação imobiliária e garantir o acesso dos portugueses à habitação.

No mesmo ano, as Ilhas Baleares espanholas – Maiorca, Menorca e Ibiza – avançavam com a criação de uma comissão para avaliar as formas jurídicas de impedir a venda de imóveis a não residentes.

Desde logo surgiram reacções e a mais importante foi da Comissão Europeia. Respondendo a uma pergunta de uma eurodeputada espanhola, Bruxelas esclareceu que para que um Estado-membro da União Europeia possa limitar a compra de casa a não residentes tenha de haver “razões imperiosas de interesse geral” que terãod e ser reconhecidas pelo Tribunal de Justiça da EU.

A Comissão Europeia recordou, em 2023, que o Artigo 63º do Tratado da EU proíbe as restrições à circulação de capitais relacionados com a aquisição de imóveis e esclareceu que nessa norma estava incluída a habitação.

Na resposta, Bruxelas admitia que restrições à venda de casas a não residentes só poderia ser admitida por “razões de ordem pública e segurança, ou por razões imperiosas de interesse geral”, mas sempre reconhecidas por jurisprudência do Tribunal Europeu.

O TJUE pronunciou-se várias vezes sobre esta matéria, ao longo dos últimos anos, e considerou, sempre, que estavam em causa restrições à livre circulação de capitais e ao direito dos cidadãos europeus em se estabelecerem em qualquer Estado-membro.

As restrições, como é possível ler em diversos sites do sector imobiliário em que esta questão é comentada, sofram sempre no sentido de considerar que as medidas eram “discriminatórias e desproporcionadas, não sendo a forma indispensável para cumprir o interesse geral do país”.

A subida dos preços não é entendida como uma razão para a proibição de venda a cidadãos da EU.

Resta saber se essa limitação poderia ser aplicada, apenas, a estrangeiros não europeus. Algo que em Espanha voltou a ser discutido, com o governo de Pedro Sánchez a anunciar, no mês passado, que irá avançar com propostas legislativas nesse sentido.

Neste caso, além de poderem estar em causa acordos comerciais com países extra-comunitários, também pode estar em causa o direito dos cidadãos europeus venderem as suas propriedades.

A conclusão é que a Região, se pretendesse proibir a venda de imóveis a não residentes, enfrentaria a oposição da legislação nacional e comunitária, tornando essa medida impossível de concretizar.

“Era só parar a compra de imóveis por não residentes e acabam os preços especulativos e o incentivo à construção de luxo/premium” Comentário em dnoticias.pt