O ganho real no salário mensal bruto médio na Madeira entre 2015 e 2024 rondou os 20%?
As contas de Miguel Albuquerque são contestadas por Gonçalo Maia Camelo. Afinal, quem tem razão?
Começou a guerra de números na pré-campanha. Não tanto porque Miguel Albuquerque referiu ontem, com base em dados provisórios, que o salário mensal bruto médio na Madeira aumentou 29% entre 2015 e 2024, passando de 1.143 euros para 1.475 euros, acréscimo mensal de 332 euros, sublinhando que se trata de uma "evidência indesmentível", que tem o condão de “desmistificar esta ideia de que o crescimento do PIB na Madeira (...) não tem impacto na vida das pessoas”.
Mas sim porque concluiu que, deduzindo a inflação neste período, que em termos acumulados foi de 19%, o ganho em termos do salário médio bruto se situa entre 19,5% e 20%, percentagem que fica a dever ao rigor contabilístico. Mas já lá vamos.
Média da remuneração bruta mensal aumentou 29% em dez anos
Ganho real relativamente à inflação ronda os 20%
Orlando Drumond , 13 Fevereiro 2025 - 12:19
Os números chocaram hoje a IL Madeira, com o seu coordenador Gonçalo Maia Camelo a considerar que o líder do PSD-M se enganou a transmitir o que lhe foi transmitido, ou o que lhe foi transmitido está errado. "Comparando os valores, as discrepâncias são visíveis", aponta.
Andreia Dias Ferro , 14 Fevereiro 2025 - 10:58
Gonçalo Maia Camelo considera que com base nos dados oficiais disponíveis, de 2015 a 2024, a inflação na Região não foi de 9%, mas sim, e no mínimo, de 18,55%. E assim sendo, “o ganho no salário bruto mensal não foi de 20% (ou seja, de 2% ao ano), mas sim, e no máximo, de 10,13%”.
O coordenador da IL Madeira e cabeça-de-lista às Regionais indica que "isto traduz-se no extraordinário valor de pouco mais de 1% ao ano” que é quase metade do valor anunciado «com pompa e circunstância» e que, “mesmo a ser o correcto, continuaria a ser insignificante".
Afinal, quem tem razão?
Dado que Miguel Albuquerque assume que quis contrariar o "recorrente discurso da oposição", que insiste em afirmar que o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) regional não se traduz em ganhos para as famílias e que Gonçalo Maia Camelo se mostra convicto que os “delírios e distorções da verdade deste Governo Regional continuam em crescendo”, o que contrasta com os salários, pedimos ao presidente da Ordem dos Economistas na Madeira, Paulo Pereira, para dissipar dúvidas.
“Se aceitarmos o Índice de Preços no Consumidor (IPC) como uma base correcta para a subida do nível de vida das pessoas (o que é mesmo muito discutível, pois não existem duas pessoas com o mesmo cabaz de compras e preferências e estas mudam de imediato com subidas e aumentos de preços, por exemplo), os dados dizem-nos que entre 2015 e 2024 os preços subiram em média 1,92%, ou seja, um total de cerca de 18,64% no acumulado destes anos. Ou seja, seriam precisos 118,64 euros em Dezembro de 2024 para comprar o que 100 compravam em Dezembro de 2015. Penso que a maioria das pessoas discorda e não se revê neste cabaz, mas isso é outra conversa.
No que diz respeito aos salários brutos médios, os dados indicam que no mesmo período cresceram 29,05%, ou seja, a uma média composta de 2,87% ao ano, o que significa que quem ganhava 100 euros em Dezembro de 2015 estava a ganhar 129,05 euros em Dezembro de 2024.
Portanto, se aceitarmos o IPC como boa medida do aumento médio do custo de vida, significa que, em média, entre 2015 e 2024, os trabalhadores viram aumentado 29,05 euros em cada 100 que ganhavam e os bens e serviços que compravam com 100 euros 'só' aumentaram 18,64 euros, pelo que teoricamente tiveram um ganho de poder de compra da diferença (10,4 euros) para gastar noutras coisas, como por exemplo passear de carro, entupir o trânsito e assim demonstrar riqueza como parece ser um novo indicador económico em uso na Região.
Gostava contudo de ainda chamar a atenção para mais três situações (entre as muitas que a questão levanta):
1) estamos a falar sempre de médias, ou seja, aquela situação em que duas vão jantar um frango, uma come tudo e a outra só cheira e em média foi comido meio frango por cada, ou seja, esta melhoria mesmo a ter existido e independentemente da dimensão, não chegou a todos;
2) segundo também dados que têm vindo a público, os salários médios dos funcionários públicos da RAM são superiores aos do privado e sabendo-se que ambos os aumentos são pagos pelo privado via impostos e dívida estatal, percebe-se melhor a grande resistência a baixar o IVA e com isso as receitas do governo para pagar aos seus colaboradores;
3) estes aumentos médios, completamente cegos a mérito e produtividade são incomportáveis a médio prazo e a prová-lo é que advêm de aumentos dos salários mínimos por decreto e concertações sociais forçadas e não naturais. As micro e pequenas tendem assim a desaparecer do nosso mapa empresarial por não conseguirem acomodar/suportar estas decisões politicas (e não económicas). As médias seguir-se-ão. Lembremo-nos que as grandes precisaram de ser micro e pequenas no passado, pelo que sem estas, não teremos novas grandes empresas no futuro. Mas como dizia Ronald Reagan: Para o burocrata, se lucra tributa-se, se sobrevive, regula-se, se ameaça morrer, subsidia-se…”
Neste contexto, os números provisórios apresentados por Miguel Albuquerque sobre o salário bruto estavam certos à hora em que foram proferidos, embora a conclusão fique a dever ao rigor.
A conta real é simples, como sublinha Paulo Pereira: Os trabalhadores viram aumentado 29,05 euros em cada 100 que ganhavam e os bens e serviços que compravam com 100 euros “só” aumentaram 18,64 euros, pelo que teoricamente tiveram um ganho de poder de compra da diferença, que é de 10,4 euros. Sendo assim, a discrepância entre os cabeças-de-lista do PSD e da IL não está nos valores auferidos em termos de salário bruto, mas sim na percentagem de ganho real acima da inflação. Para Miguel Albuquerque, o ganho situou-se erradamente entre os 19,5% e 20%, enquanto para Gonçalo Camelo foi de 10,13%, percentagem mais aproximada da realidade.
Novos dados reforçam propósito
Os dados preliminares avançados ontem por Miguel Albuquerque duraram 24 horas. Importa clarificar que partiram do pressuposto que os 19% de inflação foram apurados pela aplicação do Índice de Preços no Consumidor, por agregados, para a Região que em 2015 era 100,576 euros e em 2024 foi 119,605 euros. E para o Governo tinham claramente um propósito - que o importante a reter é que o crescimento nominal foi superior à variação da inflação, o que resulta, objectivamente, num ganho real dos salários -, por sinal reforçado esta tarde.
Contudo, os valores foram actualizados na tarde de hoje pelo Instituto Nacional de Estatística e pela Direcção Regional de Estatística da Madeira. E referem que a remuneração bruta mensal média total aumentou 33,5%, para 1.526 euros no ano passado, contra os 1.143 euros em 2015. Assim, em termos reais registou-se uma variação de 14,5%. Em valor, corresponde a um crescimento de 383 euros. Ao nível nacional, o aumento face a 2014 foi de 36,5%, atingindo 1.602 euros em 2024.
O problema não está nos valores absolutos, mas sim no equívoco de Miguel Albuquerque nas percentagens. Com base nos dados preliminares, o ganho real no salário mensal bruto médio na Madeira entre 2015 e 2024 foi de 10 e não de 20%. Contudo, com os dados definitivos, o ganho sobe para 14,5%.