A segunda fase do programa E-Lar continua a excluir as regiões autónomas?
O Programa E-Lar vai ter uma nova fase, anunciada há pouco mais de uma semana pelo Governo da República, com candidaturas a iniciar já nesta quinta-feira, 11 de Dezembro de 2025. Ora, da dotação orçamental inicial de 30 milhões de euros na primeira fase sobraram 9,3 milhões de euros. Isto significa que foram gastos aproximadamente 20,7 milhões de euros em apoios atribuídos e validados. Cerca de 40 mil candidaturas foram submetidas mas como nem todas foram abrangidas, o Governo decidiu por nesta segunda fase duplicar a dotação orçamental em 60,8 milhões de euros.
Criado para apoiar as famílias portuguesas na substituição de equipamentos a gás (fogões, fornos e esquentadores) por equipamentos eléctricos mais eficientes, com classe energética A ou superior, o E-Lar tinha um âmbito territorial limitado, digamos assim, 'rectangular', pois o âmbito do programa era exclusivamente para o território continental. As Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores foram excluídas deste programa nacional específico, sendo a justificação o facto de o modelo de financiamento através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não inclui verbas para as regiões insulares.
Mas será que nesta segunda fase já contemplou os madeirenses e açorianos? Ou se não inclui, há ideias para que, no futuro, tal venha a acontecer? O DIÁRIO faz um segundo 'Fact-check' sobre o tema em tão curto espaço de tempo, precisamente porque depois das críticas iniciais, foi lançada uma segunda fase que entra em vigor dentro de dias. Vejamos as conclusões.
Comecemos pelo princípio. O Programa E-Lar, que visa apoiar a substituição de eletrodomésticos a gás por equipamentos eléctricos mais eficientes, não contemplou as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores por ser um programa de âmbito nacional financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que não inclui a dotação específica para as regiões insulares. Essa foi a justificação para limitar as críticas e a polémica, como que levando os governos regionais a terem de igualar esse apoio do Governo Central, mas apenas para uma parte dos portugueses, excluindo cerca de meio milhão dos seus cidadãos residentes em território insular.
Como referimos, esta exclusão foi alvo de críticas e denúncias de discriminação por parte dos representantes políticos das Regiões Autónomas, nomeadamente deputados e governos regionais dos Açores e da Madeira, têm denunciado veementemente a sua exclusão do programa, considerando-a inaceitável.
Refira-se que a exclusão estará relacionada com o modelo de governação dos fundos europeus, que prevê regulamentação própria para as dimensões de coordenação política e gestão regional dos respectivos programas nas Regiões Autónomas, sem prejuízo das competências das autoridades nacionais. Ou seja, basicamente, se queriam ter programa semelhante teriam de o criar com fundos do PRR regionais.
A questão central prende-se com o modelo de governação e distribuição dos fundos europeus, que distingue entre programas de âmbito nacional, gerido a nível central pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal, e programas regionais. E existem cinco programas regionais para as NUTS II do Continente (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve) e dois programas autónomos para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
No caso do Programa E-Lar, este foi desenhado como um investimento com dotação específica e exclusiva para o território continental, no âmbito da dimensão "Transição Climática" do PRR nacional. A justificação dada pelo Governo da República é que as Regiões Autónomas têm acesso a dotações e programas próprios no âmbito dos respectivos quadros de fundos regionais (como o Madeira 2030 ou o Açores 2030), para desenvolverem as suas próprias medidas de eficiência energética e combate à pobreza energética, adaptadas às suas realidades insulares.
Note-se que a Madeira e os Açores são as zonas de maior pobreza energética em Portugal, num país que é o 5.º da Europa com maior risco de pessoas que não conseguem manter a casa aquecida ou que vivem em casas com necessidade de reparação, totalizando entre 1,9 e 3 milhões de pessoas nesta situação. Portanto, perante esta realidade, o Governo nacional entendeu criar um programa que pela sua concepção e modo de financiamento, exclui as populações mais susceptíveis a sofrer dessa pobreza energética, ou seja sem dinheiro para melhorar o aquecimento em casa. Importa dizer que as duas regiões serão, em princípio, as que sofrem menos com o frio, mas mais com o calor/humidade.
Nota ainda que, embora todo o dinheiro venha da 'bazuca' europeia (Next Generation EU), a sua canalização e gestão são feitas através de mecanismos distintos. As regiões do continente não gerem as suas próprias verbas para o E-Lar; o programa é centralizado e aplicado a todo o território continental de forma uniforme. As regiões insulares, por terem um estatuto de autonomia e mecanismos de gestão de fundos próprios, ficam de fora do âmbito do programa nacional. Aqui é que reside o problema, pois os programas alternativos da Madeira e dos Açores nessa matéria, não são um 'espelho' do E-Lar em termos de simplicidade ou valores de apoio.
Os Açores operam o seu Programa Operacional Açores 2030, que inclui objetivos específicos para promover a eficiência energética e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Estas ações focam-se em intervenções na administração pública e ensino superior, sistemas de iluminação, aquecimento e ventilação, investimento em sistemas de armazenamento de energia, além de estudos e auditorias energéticas para identificar necessidades. Isto tudo desenvolvido no Plano Regional de Ação para a Eficiência Energética (PRAEE), que define ações para vários sectores, incluindo o residencial.
Na Madeira, a situação é semelhante, com a gestão de fundos europeus através do Programa Regional Madeira 2030, sendo que o Governo Regional da Madeira, através da Direção Regional da Energia, tem a seu cargo a implementação de medidas que, embora não se comparem diretamente ao modelo de vouchers do E-Lar, visam a melhoria da eficiência energética na região. Apesar destas medidas regionais, nenhuma compensa a exclusão do E-Lar pelos portugueses das ilhas, pois é uma medida de apoio direto e simplificado à população para a substituição de eletrodomésticos, numa área onde os Açores e a Madeira são, ironicamente, as zonas do país mais vulneráveis à pobreza energética.
O Programa de Governo a 4 anos
O Programa do XVI Governo Regional 2025-2029, aprovado em Maio deste ano, aborda a temática do ‘Combate à Pobreza Energética’, incluindo quatro medidas:
- "Promover e assegurar o acesso universal à produção de energia para autoconsumo e apoiar as famílias com carências económicas na aquisição dos recursos energéticos essenciais ao seu quotidiano";
- "Programa de combate à pobreza energética – projeto garrafa solidária e projeto solar solidário - programas de apoio à aquisição de gás - GPL canalizado e engarrafado, unicamente para famílias com carência financeira e de aquisição de sistemas para produção de energia para autoconsumo, por famílias com carências financeiras";
- "Programa de apoio à aquisição de sistemas de produção de energia por fontes renováveis para famílias carenciadas que usufruem da tarifa social de energia elétrica";
- "Programa de apoio à aquisição de sistemas e equipamento elétricos mais eficientes substituindo o gás de forma a potenciar a utilização da tarifa social de eletricidade".
Como se pode perceber, é tudo pensado para a população carenciada e não, como refere o Programa E-Lar, para toda a população, desde que cumpra os critérios, embora as famílias carenciadas (beneficiárias da Tarifa Social de Energia Elétrica - TSEE) tenham condições de apoio mais vantajosas.
Portanto, o Programa E-Lar para Portugal Continental oferece valores de apoio claros e fixos, através de vouchers digitais, que variam consoante o equipamento e o escalão do beneficiário (com ou sem tarifa social de energia eléctrica). Por exemplo, para adquirir um conjunto de Placa e Forno Eléctricos o apoio pode chegar aos 738 euros, um Termoacumulador Eléctrico pode chegar aos 651 euros e uma Placa Eléctrica Convencional pode atingir os 179,60 euros.
E o Orçamento para 2026?
O Orçamento Regional para 2026 não prevê alterar esta opção, criando programa e destinando verbas correspondentes ao estilo E-Lar. Entre as medidas incluídas estão a de "concretizar a gradual Reabilitação e transição energética em imóveis existentes na Região (despesa estimada em cerca de +3,8 milhões de euros em 2026), através de, por exemplo, os programas PRID, PATE e Reabilitar Madeira. Adicionalmente, em 2026, será relançado o programa de incremento da Eficiência energética em edifícios de habitação social da IHM (despesa estimada em cerca de +2,0 milhões de euros em 2026)".
E nenhum dos 20 projectos a realizar no âmbito do PRR pelo Governo Regional, no valor de 149,2 milhões de euros, neste que é o último ano de aplicação do Programa de Recuperação e Resiliência (criado em 2021), implica esta área em particular. Nem mesmo os 71,3 milhões de euros nos 8 programas dos Serviços e Fundos Autónomos ou os 67,5 milhões dos 8 programas das Entidade Públicas Reclassificadas incluem qualquer programa alusivo a esta medida.
Com a reprogramação do PRR, decidida já este ano, é possível dar continuidade ao instrumento 'REPowerEU', tendo sido "aprovados três novos investimentos, um destinado a melhorar a 'Eficiência energética em edifícios públicos da Madeira', outro 'o Sistema de Incentivos à produção e Armazenamento de Energia Proveniente de Fontes Renováveis' que inclui o reforço da produção de eletricidade renovável na Ilha do Porto Santo e um último relativo à 'Descarbonização dos Transportes'. Todos estes investimentos irão permitir combater a pobreza energética, contribuindo assim para dar resposta às recomendações específicas dirigidas a Portugal no sentido de reduzir a sua dependência dos combustíveis fósseis, nomeadamente, através do desenvolvimento de medidas para melhorar a eficiência energética dos edifícios, acelerar a implantação das energias renováveis e descarbonizar o setor dos transportes", diz o Governo.
Os três projectos implicam 14 milhões, 18,9 milhões e 11,5 milhões de euros de investimento, respectivamente.
Há esperança no Plano Social para o Clima 2026-2032?
A solução parece à vista. Segundo a primeira versão do Plano Social para o Clima 2026-2032 e que esteve sob consulta pública até 18 de Novembro de 2025, há dinheiro à vista para financiar o Programa E-Lar, com verbas das regiões autónomas.
Promovido pela Agência para o Clima, o 'E-Lar do futuro', chamemos-lhe assim, pretende "promover a descarbonização e eletrificação dos consumos das famílias vulneráveis. Visa a substituição de equipamentos a gás (fontes fósseis) por equipamentos elétricos eficientes, reduzindo o consumo de energia de fontes fósseis e contribuindo para a reciclagem de equipamentos em fim de vida. O investimento será desenhado para que as famílias não tenham de adiantar as verbas", objectiva.
Tendo como destinatários as "famílias vulneráveis", serão assim os beneficiários elegíveis os "beneficiários da tarifa social de energia ou famílias com rendimento abaixo de um certo limiar aferido ao rendimento mediano do ICOR/EUSILC (Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, em Portugal), i.e., abaixo de 60% do rendimento mediano (limiar de risco de pobreza) ou abaixo de 70% do rendimento mediano para corresponder aos rendimentos médios mais baixos, conforme n.º 10 do artigo 2.º do Regulamento do FSC".
Sendo que a área geográfica de aplicação passa a ser, além de Portugal Continental, a Região Autónoma da Madeira e a Região Autónoma dos Açores. Inclui "subvenções não reembolsáveis, comparticipadas a 100% sobre os custos elegíveis" de "eletrodomésticos (substituição de equipamento a gás por elétricos), sistemas de produção AQS (bomba de calor para água quente sanitária; e termoacumulador elétrico)", estando ainda incluídos os "custos dos serviços de instalação e recolha do equipamento anterior".
Para o fim ficam as verbas, este 'E-Lar do futuro' prevê investimento total de 69 milhões de euros, com a Madeira a alocar 5 milhões de euros e os Açores disponíveis a colocar 6,7 milhões de euros. Tudo isso para chegar a 39 mil fracções intervencionadas.
Ou seja, este plano, ao contrário do actual E-Lar, não prevê a generalização do acesso, mas circunscrevendo o mesmo apenas às famílias vulneráveis, ficando de fora, por exemplo, uma faixa das famílias consideradas na 'classe média' que não têm também capacidade para adquirir estes equipamentos, sendo colocadas na mesma categoria das famílias que não terão qualquer dificuldade em aceder a estes equipamentos sem apoios.
Na prática, tendo perdido a possibilidade de aderir à primeira fase e à segunda fase do E-Lar, cujas candidaturas começam dentro de 2 dias, a grande maioria das famílias madeirenses nunca terá acesso a este programa.