Violência sexual no contexto digital em crescendo
Rute Agulhas propõe a adaptação à Região de dois programas de prevenção primária
A psicóloga Rute Agulhas, que integra o grupo Vita, foi uma das oradoras convidadas do Encontro Regional das CPCJ que esta manhã teve lugar, tendo abordado o tema ‘Entre likes e perigos. A violência sexual na era digital’.
Ao DIÁRIO, a especialista nestes assuntos manifestou preocupação com o aumento significativo da violência sexual no contexto digital, notando a incapacidade das organizações em acompanhar e atalhar este problema.
Deu conta, por exemplo, do “aumento alarmante”, desde 2020, de situações identificadas de exploração sexual de crianças em contexto digital, nomeadamente com crianças mais pequenas, já que a idade das vítimas estar a baixar, sendo já muito significativa a percentagem de crianças dos 0 aos 2 anos e dos 3 aos 6 anos.
Além disso, diz ser preocupante a percentagem de crimes mais graves, de categoria A, que envolvem penetração, uso de animais e rituais sádicos. No mesmo sentido, enfatiza o aumento de 380% de imagens manipuladas através de Inteligência Artifical entre 2023 e 2024.
Em detalhe, sobre a realidade portuguesa e madeirense, lamenta a falta de dados, sendo necessário essa ‘fotografia’ para uma intervenção mais assertiva. Defende, por conseguinte, a realização de um estudo de prevalência e a elaboração de relatórios anuais mais detalhados, nomeadamente no que respeita ao Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Ainda assim, já se sabe que em Portugal, os crimes de natureza sexual em contexto digital já representam cerca de 30% de toda a criminalidade sexual. Sabe-se, também, conforme dados da Polícia Judiciária, que o pico de ocorrência desta criminalidade acontece entre as 21 horas e a meia-noite, "um período em que as crianças estão em casa, nos seus quartos, com telemóveis ou tablets e os pais julgam que estão a dormir", sustenta.
Para uma intervenção mais adequada, impõe-se a capacitação das várias entidades (com capacitação dos diversos profissionais que deverão trabalhar em rede), a mudança legislativa (penalização maior para os infractores e proibição do acesso às redes sociais a menores de 16 anos, como já acontece em alguns países), a fiscalização , a responsabilização das empresas das redes sociais e de videojogos (critérios de verificação da idade mais eficazes), bem como a sensibilização para a denúncia (não basta apagar as imagens em caso de situação anómala, é fundamental denunciar às autoridades situações de conteúdos desajustados).
Paralelamente, é importante capacitar as crianças para esta realidade, ensinando-as a se defenderem, apostando na literacia digital adequada, cabendo à família o papel principal neste âmbito, que deve estar atenta às quatro aspectos: a exposição, a interacção, a aceitação e o comportamento.
No final da sua palestra, Rute Agulhas deixou um desafio às instituições regionais no sentido de adaptarem à realidade madeirense dois programas de prevenção primária da violência sexual que já foram implementados no contexto específico da Igreja Católica, mas que podem ser alargados a outros contextos não católicos, quer por CPCJ, quer por escolas que já manifestaram interesse nessa adaptação. “Acho que era muito importante poder haver um projecto piloto na Madeira para tentar perceber o impacto destes programas” que visam impedir que a violência sexual aconteça, quer com acções de sensibilização e educação, quer com a redução dos factores de risco, aumentando os factores de protecção.