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Quando menos pode ser mais

a música de Natal sempre vai ampliar e potenciar os nossos sentimentos e emoções da altura

São muitos os estudos científicos que comprovam os benefícios da música, tanto na educação como na formação geral do nosso cérebro e da nossa personalidade, e também em relação a determinadas doenças. No entanto, a ubiquidade da música natalícia, presente queiramos ou não, traz algumas consequências não particularmente desejáveis. E essa música está à nossa espera nos centros comerciais, nos elevadores, na rua, no carro, na televisão, no telefone…

Realmente, a música de Natal pode nos afetar tanto positiva como negativamente: pode evocar nostalgia, alegria e memórias afetivas (de infância e família) ligadas à tradição e conforto, mas uma repetição excessiva em contexto da pressão já existente no fim de ano pode gerar stress, ansiedade, irritação e até tristeza, especialmente para quem está em luto.

Os efeitos positivos são ligados sobretudo à memória e à emoção – os temas de Natal ligam-nos às experiências passadas e ativam sentimentos de alegria, segurança e união familiar, associados às memórias nostálgicas. Essas músicas também nos podem trazer um sentimento de familiaridade e paz, transportando-nos para a nossa infância.

No entanto, tal como qualquer repetição excessiva, a exposição constante e ininterrupta em lojas, por exemplo, pode causar sobrecarga sensorial e transforma essa música num barulho irritante.

Ademais, para aqueles que perderam alguém querido, essas músicas podem acentuar a saudade e a tristeza, aumentando a sensação de falta que essas pessoas lhes fazem e dando à experiência uma conotação dolorosa.

Seja como for, a música de Natal sempre vai ampliar e potenciar os nossos sentimentos e emoções da altura: se estivermos numa altura positiva, ela vai intensificar a alegria; se a altura é uma de stress ou luto, esta música pode fazer sobressair esses sentimentos negativos. Não é por acaso que existe a expressão inglesa “Christmas Blues”, que se refere a uma tristeza que pode surgir em determinados contextos de vida, sobretudo as memórias negativas associadas ao Natal, e ainda mais forte quando a dinâmica familiar na infância era problemática e não harmoniosa. A sensação de exclusão, resultante dum contexto de se sentir alienado ou diferente, pode também aumentar nesta época em que se salienta a “perfeição” e a “harmonia familiar”.

As pessoas que já estejam a sofrer de ansiedade, depressão e tristeza tendem a ficar pior, e é um facto comprovado que as pessoas idosas e as que já sofrem de condições preexistentes acusam nesta altura do ano uma taxa elevada de morte, sobretudo ligada a episódios cardíacos.

Independentemente desses fatores todos, os comerciantes manipulam-nos com neuromarketing, usando não só a música, como também cheiros e estímulos visuais para estender a nossa permanência na loja e estimular as nossas compras.

Escapulir-se da música omnipresente não é fácil, mas quanto antes nos apercebermos do tipo de influência que exerce sobre nós, mais consciente ficará o nosso controlo do tempo da exposição e mais proativas se tornarão as estratégias que podemos implementar para evitarmos a sobredosagem e os seus efeitos menos desejáveis. O princípio “menos é mais” (less is more), presente no pensamento humano desde a Antiguidade, neste caso talvez vale… mais. Feliz Natal!