Sem Vídeo-Árbitro para a Segurança Pública
O dia a dia no comando regional da PSP, como por exemplo a Esquadra do Funchal, está longe da perceção que muitas pessoas têm ao passar na rua. Por detrás daquela porta, uma porta que nunca fecha, existe um serviço permanente, exigente e profundamente vocacionado para proteger a comunidade. A imprevisibilidade, a responsabilidade e o espírito de missão moldam cada turno, cada atendimento e cada resposta policial.
A PSP funciona sem interrupções, tal como hospitais ou bombeiros. Está aberta 24 horas por dia, garantindo à população um ponto de apoio permanente. Por aquela porta entram diariamente vítimas, turistas em dificuldade, crianças em risco, famílias fragilizadas e cidadãos que precisam de ajuda imediata. No interior, o serviço é constante: o telefone toca sem parar, surgem pedidos de reforço, vítimas procuram apoio, acidentes exigem intervenção rápida e múltiplas situações requerem serenidade e decisões firmes. Os polícias lidam com conflitos familiares, auxiliam idosos, orientam turistas e respondem a violência doméstica e a ocorrências de diversa gravidade.
A tudo isto soma-se o crescimento acelerado do crime informático: burlas online, perfis falsos, fraudes sofisticadas e ameaças digitais que afetam todas as idades. Mas existe uma realidade estrutural incontornável: os recursos humanos são cada vez mais escassos. O efetivo envelhece, muitos aproximam-se da aposentação e as entradas não compensam as saídas, aumentando a carga de trabalho sobre quem permanece.
O mês de dezembro torna esta realidade ainda mais evidente. No Funchal, o período natalício e a passagem de ano representam um dos maiores desafios operacionais do país, com mais ocorrências, mais movimento nas ruas e mais exigências de segurança. A PSP mobiliza praticamente todo o seu efetivo para garantir que residentes e visitantes celebram em segurança.
Foi neste contexto que se realizou a reunião entre o MAI e alguns sindicatos da PSP e da GNR, aguardada com expectativa de sinais políticos claros. Porém, apesar do reconhecimento das dificuldades no terreno, verificou-se que partes do acordo anteriormente estabelecido entre o Governo e a ASPP continuam por cumprir. Tal levou o sindicato a abandonar as negociações e a admitir levar a luta para a rua. Permanece a sensação de que se voltou a adiar o que já não pode ser adiado, deixando questões essenciais sem resposta.
A mesma preocupação marcou o Congresso da ASPP, realizado em S. João da Madeira, evidenciou a distância entre as necessidades reais dos polícias e o ritmo lento das respostas institucionais. Reforçou-se a urgência de melhores condições de trabalho, carreiras modernizadas, apoio psicológico eficaz e políticas que garantam a sustentabilidade da PSP. Longe de mera reflexão, o congresso revelou crescente insatisfação e a necessidade de medidas concretas. A realidade mantém-se marcada por folgas reduzidas, escalas prolongadas e exigências constantes, embora o profissionalismo dos polícias continue a assegurar uma resposta eficaz à população.
Os polícias permanecem ao serviço porque acreditam profundamente na importância do que fazem. Contudo, é indispensável que este esforço seja acompanhado por medidas que reforcem a capacidade operacional da PSP e valorizem quem trabalha na linha da frente.
Ser polícia no Funchal, e em qualquer parte da ilha, significa estar presente quando a comunidade mais precisa. Significa garantir que aquela porta nunca fecha, mesmo quando tudo o resto já encerrou. Mas para que esta missão continue a ser desempenhada com dignidade, a sociedade e os decisores políticos têm de assumir a responsabilidade de apoiar quem protege todos os dias.
E a pergunta mantém-se, agora com um tom inevitavelmente irónico: e agora, como vamos resolver isto? Infelizmente, ao contrário do futebol moderno, não existe vídeo-árbitro que reveja decisões, corrija erros ou chame à ordem quem falha. E a dificuldade aumenta porque, neste jogo, o Estado é simultaneamente árbitro e jogador, define regras, controla o tempo e decide quando o jogo acaba. Os polícias, esses, continuam em campo, sem substituições e muitas vezes sem reforços no banco.
Quem vai, afinal, rever o lance e corrigir o que está errado?