Radicalizar(-se)
verbo transitivo e pronominal
1. tornar radical ou extremo / intransigente
2. favorecer o radicalismo
3. do lat. radicale, que diz respeito (ou vai) à raiz, e que por consequência não comporta restrições
I. Estamos aproximadamente a dois meses de uma nova eleição para cargo de Presidente da República – fixada para o dia 18 de janeiro de 2026 –, o chefe de Estado para os próximos cinco anos, e uma vez mais um dos candidatos é o populista André Ventura, que já obteve quase 500 mil votos numa anterior eleição e surge na (última) sondagem divulgada em terceiro lugar, algo previsível tal como o maior crescimento em termos de pontos percentuais (mais 5,2 pontos). Sinais dados pelos eleitores (mais ou menos democratas) que nos devem a todos preocupar!
André Ventura, para além de (ainda) ser o incontestável líder do partido político CHEGA (registado no Tribunal Constitucional em 9.04.2019) – atualmente com 60 mandatos na Assembleia da República (1.437.881 votos) e o representante de uma massa de eleitores indignados e revoltados com o bipartidarismo existente em Portugal nos últimos 50 anos, muitos deles sem professarem qualquer ideologia política, a que se adiciona um conjunto de ultraconservadores (ou radicais) de extrema-direita que não tinham “teto” político –, é sobretudo a escolha política de um eleitorado masculino até aos 55 anos, assim como daqueles que não têm curso superior, não esquecendo a larga adesão dos jovens (estudantes), onde estão milhares dos seus seguidores nas redes sociais (uma espécie de “popstar” do Facebook, Instagram, X [antigo Twitter] e TikTok), fonte de grande desinformação política e onde o culto do líder é amplamente cultivado e monitorizado pelo número de visualizações e likes.
É reconhecido pela grande maioria dos portugueses que André Ventura se baseia numa ideologia de referência autoritária, que critica duramente a democracia portuguesa (considerando-a “podre”) e promete transformar o sistema político, melhor, anuncia uma “revolução democrática”, pois o país “precisa de outro regime”, de uma mudança brusca que passa pela luta contra a corrupção – “Limpar Portugal”, um triste cartaz/slogan que fica para a posteridade – , mão pesada do Estado “sob a bandidagem em Portugal”, um controlo rigoroso da imigração, não esquecendo as alterações profundas à atual redação da Constituição e outras propostas pouco ou nada responsáveis e altamente ilusórias. Contudo, tudo isto vem de alguém que, pelos testemunhos de um conjunto de ex-militantes e deputados do CHEGA, para (continuar a) liderar o partido se viu envolvido em traições, purgas internas, mentiras deliberadas e uma estratégia política assente no explorar ao máximo a atualidade mediática para ganhar votos e notoriedade. (Infelizmente, pelo menos até hoje, teve uma boa imprensa!)
André Ventura não é de todo original, bem pelo contrário! A expansão da sua fama/popularidade é fruto da cópia de modelos seguidos por forças políticas internacionalmente análogas (direita radical): declarações estrondosas, exploração do medo, discursos de incitamento ao ódio (que, para muitos, cabe dentro da liberdade de expressão/opinião) e ao ressentimento na população, apresentação de soluções aparentemente simples/fáceis para problemas difíceis (cobertas, depois de muito “ruído”) e, não raras vezes, o uso da falsidade deliberada como forma de ganhar votos, não esquecendo o “bullshit” (e soundbite) premeditado e excelentemente calculado.
Sendo o intérprete (líder) autorizado e venerado pela tribo, este impõe a sua leitura uniforme, rígida e vinculativa da realidade aos demais (refiro-me às ‘bases’ do partido e aos ebulientes – e cegos – adeptos do estilo), que quase não o ousam contestar ou questionar (em termos de competência e orientações/decisões tomadas), mesmo que este profira declarações que contrariem os princípios e/ou estatutos do partido ou se esqueça de atualizar as listas de dirigentes do partido há mais de seis anos, ou seja, viole intencionalmente o artigo 18.º da Lei dos Partidos Políticos. A submissão intelectual à demagogia do Presidente, a negação da racionalidade e liberdade do pensar (e interrogar), prolifera ainda hoje naqueles que estão fascinados com a ascensão rápida do partido.
A reconstrução desta nova imagem do líder (e da mentalidade) autoritária tem na atualidade um propósito e timing bem definido. Passa, por exemplo, pelo ressurgir do apelo à trilogia “Deus, Pátria e Família” e de tradições políticas, sociais, culturais e religiosas que, segundo os dirigentes do CHEGA, têm uma base nacional que importa reaver e reabilitar. A afirmação recente de que “o país está tão podre de corrupção, impunidades, bandidagens que eram precisos três Salazares para pôr isto na ordem” não assomou ao acaso. Para André Ventura (e os da tribo), recuperar a imagem do ‘estadista’ António de Oliveira Salazar – e o que ele representa – é cumprir a promessa de instaurar a “Quarta República” em Portugal, e para isso é preciso mobilizar as massas e expurgar a imagem do anterior líder que deu provas do seu carisma e total entrega/lealdade na resolução da crise que deu origem ao regime que vigora no país. Em suma, o empoderamento dos ideais “nacionalistas e ultra identitários” segue agora um rumo bem identificado e tem um (novo) rosto que é já bem conhecido e, lamentavelmente, por muitos aplaudido!
II. O tema e grave problema da radicalização não é um fenómeno novo e tornou-se num grande desafio para o presente, uma vez que as novas tecnologias e a crescente polarização da sociedade (amplificada com as modernas redes sociais e o consumo abusivo de conteúdos “online” que criam cada vez mais “bolhas/câmaras de eco” num auditório hiper-alienado/manipulado) estão a torná-lo numa ameaça séria não só na Europa, mas um pouco por todo o mundo. Como educador numa escola pública da grande Lisboa, é preocupante assistir, todos os dias, ao crescendo de uma linguagem (e pensamento) extremista de direita nos jovens, os quais, nesta marcante fase das suas vidas deveriam ter acesso a um modelo educativo bem organizado que incluísse a literacia política e obstruísse a sua radicalização. A ideia de “normalização” política do CHEGA, avançada em 2020, não está a surtir os efeitos pretendidos e, para infelicidade dos moderados (que ainda representam uma maioria), a extrema-direita continua a tirar vantagens das sucessivas crises, da insatisfação/frustração de muitos cidadãos, de uma certa inércia e dos diversos (e consecutivos) erros daqueles que governaram nas últimas décadas e ainda governam. Numa democracia, quando os problemas que o povo quer ver resolvidos persistem – e ninguém tem a capacidade (e energia) para implementar as soluções que são necessárias – então, a sombra do autoritarismo está sempre à espreita!