O tempo suspenso em que vivemos
Há momentos na vida de um país em que tudo parece avançar depressa demais e, paradoxalmente, permanecer imóvel.
Vivemos nesse intervalo estranho, estamos cansados da política, mas dependentes dela, exaustos do ruído mediático, mas sempre à espera da nova indignação nacional. E o país não defrauda, todos os dias há uma nova indignação para partilhar, com cidadãos sedentos de emitir opinião e julgamento, muitas vezes sem dar a cara.
Mas ficamos pela espuma dos dias e no dia seguinte, e nos seguintes, já haverá outro motivo para nos indignarmos, com a mesma intensidade e igual fugacidade. E, assim, perpetuamos um contínuo tempo suspenso.
Neste contexto, a política, feita cada vez mais através das redes sociais, transformou-se num teatro permanente, onde o aplauso e a vaia se confundem. Não se discute mais, reage-se. Não se reflete, publica-se. Dá a sensação (ou a certeza?) que as pessoas estão ansiosas por ter qualquer motivo, por mais irrisório ou tolo que seja, para destilar ódio e libertar frustrações sob a capa da defesa de uma causa qualquer. E, de reação em reação, entre indignações coreografadas e discursos inflamados, trocamos a ação pela performance.
Indignar-se tornou-se a forma moderna de dizer “presente” sem ter de sair do sofá. Indignamo-nos em direto, comentamos em diferido e esquecemos na manhã seguinte. É como se a nossa energia cívica fosse consumida num circuito fechado, onde muito se discute e pouco se transforma.
O povo português é mestre na arte do desabafo inconsequente. Protestamos contra os preços, contra a corrupção, contra os baixos salários, contra a discriminação, e depois, ah, depois, continuamos com tudo igual, damos um grande suspiro e afirmamos, com desalento, mas aceitação: “é o país que temos”.
A política e os políticos perceberam o jogo e adaptaram-se. Os discursos já não procuram convencer, procuram emocionar. O importante não é resolver, é parecer sentir. Todos os líderes prometem “não ficar indiferentes”. Contudo, no fim, tudo continua praticamente igual, mas o espetáculo cumpriu-se. A emoção pública substituiu a transformação real. E nós ficamos a olhar para o palco vazio de soluções reais.
Porque a indignação só cumpre o seu verdadeiro papel se funcionar unicamente como o primeiro sopro. O que vem depois do ruído das causas e do cansaço das palavras repetidas é o que verdadeiramente conta: o gesto, a persistência, o compromisso. Pois a indignação é um sentimento justo, mas estéril, se não for acompanhada de ação.
Efetivamente, Portugal vive há demasiado tempo num compasso de espera, uma democracia em esforço contínuo. Um país do quase: quase reformas, quase consensos, quase progresso, quase futuro. Somos especialistas em nos convencermos de que “não é bem agora, mas há de ser”. Um país parado em movimento, por mais contrassenso que pareça, sempre à espera do momento certo que teima em não chegar.
Para sair do marasmo que se adensa, há que assumir o desafio de recuperar a capacidade de nos indignarmos de e com verdade e, essencialmente, com ação e resultados. De escolher menos causas, mas senti-las de verdade. De exigir mais e melhor a quem nos governa, e a nós próprios também. E, sobretudo, viver no hoje e agora. Como disse o escritor Albert Camus: “A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente”.
Um país precisa de uma história para se mover, caso contrário, fica suspenso no tempo, a gerir urgências em vez de construir direção, a arranjar soluções por conveniência ou pressões, e não com o intuito de melhor servir o bem comum.
E a democracia lá vai aguentando, aguenta muito, mas não aguenta indefinidamente a falta de sentido, nem se renova com escândalos, nem manobras dilatórias, tão-pouco com mensagens e cartazes no limite do admissível, ou ainda com promessas vãs, contando com o cansaço e a fraca literacia política de muitas pessoas.
Ao longo dos últimos anos, tenho-me perguntado muitas vezes o que faz verdadeiramente a diferença na vida pública e política. A resposta a que regresso, sempre, é esta: o carácter. De quem sustenta as decisões quando o mundo parece vacilar. E que nos obriga a ser maiores do que as circunstâncias. Aquilo que vi, por exemplo, na pandemia, sem filtros, sem câmaras, sem discursos preparados.
Na verdade, o país não precisa de mais indignação, mas sim de ter um propósito claro e unificador, abrangente e galvanizador. Precisa, acima de tudo, da coragem de quem quer contribuir para um Portugal com Rumo!
Porque o tempo pode estar suspenso, mas ainda há esperança de um melhor tempo presente e futuro.