Os Juízes de Hitler e o Eco da Impunidade
Li o livro “Todos São Nazis” de Helmut Ortner e é impossível ficar indiferente. Não apenas pelo horror que revela, mas pela forma como nos obriga a reflectir sobre a facilidade com que a justiça se pode confundir com o poder político.
Ortner conduz-nos pelas sombras do pós-guerra e expõe como tantos que serviram o regime nazi — juízes, médicos, procuradores, guardas dos campos de concentração, entre outros — escaparam, em grande parte, às consequências dos seus crimes.
O autor apresenta casos concretos de magistrados que condenaram à morte cidadãos inocentes apenas por ousarem criticar Hitler, e de guardas que mataram sem remorso, por prazer ou por obediência cega.
O mais perturbador é o que se seguiu: muitos desses homens foram recompensados com cargos de prestígio no Estado e nas universidades, como se as suas acções criminosas fossem actos meritórios do passado. Alguns receberam generosas indemnizações por terem estado presos — ao contrário de algumas vítimas do regime nazi, que recuperaram apenas migalhas.
Cidadãos e movimentos cívicos exigiram justiça, mas foram ignorados. As autoridades — políticas e judiciais obstaculizavam os julgamentos ou garantiam absolvições.
A impunidade venceu.
No entanto, a leitura deste livro deixa uma pergunta que não se esgota na Alemanha.
E em Portugal?
Quantos governantes, quantos juízes, quantos agentes da PIDE, quantos militares e informadores foram realmente condenados a penas de prisão efectiva?
Alguém pagou pelos crimes cometidos em nome de um regime que também oprimiu, torturou e matou?
Também por cá, preferimos o silêncio conveniente à memória justa.
Carlos Oliveira