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Explicador Madeira

Tudo o que deve saber sobre o crime de violação

O crime de violação é considerado criminalidade especialmente violenta, nos termos do art.º 1.º, al. l) do Código Processo Penal. Apesar de ser amplamente debatido, continua a levantar algumas dúvidas. O director do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária da Madeira, José Matos, esclareceu ao DIÁRIO várias questões sobre este tema.

De recordar que ainda na última semana um homem indiciado pelo crime de violação, na forma tentada, foi presente a Tribunal, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

Quem investiga os crimes de violação?

A Polícia Judiciária (PJ) é o órgão policial responsável, em Portugal, pela investigação dos crimes sexuais, nos termos do art.º 7.º, n.º 3, al. a) da Lei 49/2008 (Lei de Organização da Investigação Criminal – LOIC). Sempre que há suspeita de violação, o caso é remetido à PJ, que tem a competência de apurar se se trata, efectivamente, de um crime que põe em causa a liberdade sexual de alguém e, em caso positivo, recolher os elementos probatórios que permitam conseguir a responsabilização do autor.

Em que é que consiste o crime de violação?

O crime de violação atenta contra a liberdade sexual das pessoas. Cada indivíduo tem o direito de escolher com quem se deseja relacionar sexualmente e escolher se naquele momento deseja, ou não, dispor do seu corpo para a prática de actos sexuais. Estas duas premissas (liberdades) são cumulativas. Por isso, é que se um marido ou um namorado forçar a esposa, companheira ou namorada a suportar relações sexuais que não deseja, atenta contra a liberdade sexual daquela e, daí, comete um crime de violação.

Em suma, mesmo dentro de uma relação, ninguém é obrigado a ter relações sexuais que não deseja, para as quais não tenha dado o seu consentimento. Ou seja, a relação tem de ser consensual, caso contrário configura a prática de um crime sexual.

Uma prostituta pode ser violada?

Sim. Uma prostituta tem direito à sua liberdade sexual, tal como qualquer outra pessoa. Caso alguém mantenha relações sexuais com uma prostituta, mesmo que a troco de uma contrapartida, se houver actos sexuais para os quais a mesma não deu o seu consentimento, configura a prática de violação. Por exemplo, se tiverem sido acordadas, apenas, relações sexuais vaginais e o cliente contra a vontade dela a forçar a relações anais, comete um crime de violação, previsto e punido no art.º 164.º do Código Penal.

Infelizmente, muitas prostitutas são vítimas de violência e exploração.

Existem falsas denúncias?

Sim. Por exemplo, usando o caso anterior, se uma prostituta combinou cobrar 100 euros por um serviço sexual e o cliente não pagou a totalidade do valor acordado, isso não configura um crime sexual.

Em alguns casos, há pessoas que tentam incriminar outras com falsas acusações. Cabe à Polícia Judiciária investigar cuidadosamente todas as denúncias, ouvindo ambas as partes, testemunhas, recolher outros elementos, realizar exames médicos, etc., para apurar a verdade dos factos.

O que é coação sexual?

A coação sexual ocorre quando alguém é sujeito a actos sexuais sem o seu consentimento, que são igualmente lesivos da sua liberdade sexual, mas que não são tão graves quanto os cometidos numa violação. Ou seja, houve actos sexuais que não incluíram penetração dos órgãos sexuais. Isso pode incluir, por exemplo, apalpões, beijos forçados e manipulação dos órgãos sexuais.

A introdução forçada de um objecto é violação?

Sim. Caso haja penetração, seja vaginal, anal ou oral, mesmo com objectos ou partes do corpo, que não os órgãos sexuais, a situação deixa de consubstanciar a prática de um crime de coação sexual e sim de violação.

O critério principal é a ausência de consentimento da vítima, conforme definido na Lei.

Há diferença entre violação e abuso de pessoa incapaz de resistência?

Sim, embora a diferença possa ser ténue.

No crime de violação, o agressor ultrapassa a resistência da vítima, muitas vezes tornando-a incapaz de reagir através de coacção, como ameaças com armas, uso de drogas, álcool ou agressões físicas. Neste caso, a incapacidade da vítima é provocada pelo violador.

No abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, a vítima já se encontra numa situação que a impede de reagir, sem que tenha sido forçada pelo agressor. Este, aproveita uma situação de vulnerabilidade da vítima para a submeter a actos sexuais para os quais aquela não tem capacidade de dar consentimento e/ou de opor resistência. Por exemplo, se a vítima se embebeda voluntariamente e perde a capacidade de dar o seu consentimento para relações sexuais ou de reagir a actos sexuais que não deseja e aos quais não se consegue opor, estamos perante um crime de abuso de pessoa incapaz de resistência e não violação.

A moldura penal máxima é igual, 10 anos de prisão, o que muda é a nomenclatura.

Pode haver agravantes?

Sim. Existem situações que agravam a pena do crime de violação. Alguns exemplos incluem: laços de familiaridade entre vítima e agressor, situações de coabitação, dependência hierárquica, económica ou de trabalho, a vítima ter uma situação de especial vulnerabilidade (idade, deficiência, gravidez, etc.), ser o agressor portador de doença sexualmente transmissível, se da violação resultar gravidez, suicídio ou morte da vítima.

Desta forma, a lei prevê uma moldura penal para o crime de violação, que pode ser agravada em função destas agravantes.

A violação é um crime público?

Contra menores é sempre um crime público. Basta uma denúncia para que o Ministério Público e a Polícia Judiciária iniciem a investigação e a perseguição penal.

Contra adultos são crimes semi-públicos, como a coacção sexual, a violação ou o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência. Nestes casos, a vítima tem um ano para apresentar queixa.

É importante que estes crimes sejam denunciados o mais rapidamente possível para que a polícia consiga recolher indícios materiais, para além da prova testemunhal.

De salientar que nos casos dos crimes públicos, os funcionários, nos termos do art.º 386.º do Código Penal são obrigados a denunciar os crimes de que tenham conhecimento, cf. art.º 242.º do Código Processo Penal, sob pena de cometerem um crime de favorecimento pessoal, p. e. p no art.º 367.º do Código Penal.

A pena pode ir até quantos anos?

Em Portugal, a pena de prisão para o crime de violação pode ir de 3 a 10 anos, podendo ser agravada, no máximo, até metade nos seus limites mínimo e máximo (6 a 15 anos) dependendo das circunstâncias e das agravantes do caso.