Deve existir requerimento formal escrito para haver uma Assembleia Municipal Extraordinária?
A convocação de uma Assembleia Municipal extraordinária é um acto de grande relevância para a governação local, podendo ter impactos significativos nas decisões estratégicas de um município. No entanto, um caso recente no concelho da Ribeira Brava levantou dúvidas sobre a legalidade do processo: ou seja, poderá a presidência da mesa convocar uma sessão extraordinária, aprovada por maioria em Assembleia Municipal ordinária, sem ter recebido formalmente o requerimento?
A questão pode parecer meramente burocrática, mas a resposta entronca em implicações legais complexas. A legitimidade de qualquer decisão tomada numa sessão extraordinária depende do cumprimento rigoroso da lei, e qualquer falha processual pode levar à impugnação das deliberações.
No entanto, para Ricardo Vieira, reputado advogado e especialista em direito administrativo, tem uma opinião mais ampla e considera que há pressupostos de jurisprudência a ter em linha de conta antes mesmo de seguir à risca o regime jurídico puro e duro e que, em primeira instância, prende-se com a vontade inequívoca da própria Assembleia Municipal, que, neste caso particular, para si, é totalmente “soberana”, conforme mais adiante explanará.
Mas antes vamos aos factos. A convocação da sessão em causa foi feita sem que o presidente da mesa tivesse recebido o requerimento físico ou digitalmente e isso levantou dúvidas quanto à sua conformidade com o Regime Jurídico das Autarquias Locais, estabelecido na Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Foi neste pressuposto que o líder da bancada RB1, Hélder Gomes, se baseou para suscitar dúvidas quanto à legalidade da reunião que pretendia desembargar a construção de um prédio no centro da vila.
Ou seja, o deputado leu o artigo 27.º desta lei, no qual define que as Assembleias Municipais Extraordinárias podem ser convocadas pelo presidente da mesa, mas apenas após a recepção de um requerimento formal apresentado pelo presidente da Câmara Municipal, por um terço dos membros da assembleia ou por um número mínimo de cidadãos eleitores.
O texto legal não prevê excepção que permita a convocação de uma sessão sem que o requerimento tenha sido oficialmente entregue ao presidente da mesa, ou seja, o ponto crítico está na necessidade de um requerimento formal, pelo menos tornou-se confuso para os membros da assembleia que aprovaram, de facto, por maioria, a decisão de realizar uma Assembleia Municipal Extraordinária, que ficou expresso em acta, mas que depois não foi entregue, separadamente, ao presidente da mesa.
Mas o que acontece se esse requisito não for seguido?
A legislação prevê que qualquer acto administrativo que não cumpra os requisitos legais pode ser contestado. A convocação irregular de uma sessão extraordinária pode ser alvo de impugnação com base nos seguintes fundamentos:
• Violação do artigo 27.º da Lei n.º 75/2013 – a convocação sem requerimento pode ser considerada inválida.
Princípio da legalidade (artigo 3.º da Constituição da República Portuguesa) – qualquer ato administrativo deve estar fundamentado na lei.
• Código do Procedimento Administrativo (CPA) – permite a interposição de reclamação ou recurso no prazo de 15 dias úteis.
• Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – possibilita a impugnação judicial no prazo de 30 dias úteis se os interessados forem notificados ou 1 ano se não houver notificação formal.
Se a impugnação for bem-sucedida, a Assembleia Municipal Extraordinária poderá ser considerada nula e sem efeito, levando à anulação de todas as decisões tomadas nessa reunião.
Uma nuance
Há também dentro da Assembleia quem recorde que o deputado que suscita a ilegalidade da reunião teria interesse que a mesma não se realizasse uma vez que a análise para levantamento do embargo diz respeito a um prédio contíguo a uma fracção que Hélder Gomes alegadamente possui, logo, poderá existir conflito de interesses.
Entendimento diferente
Ricardo Vieira tem uma leitura diferente do deputado do RB1. O causídico lembra que a Assembleia Extraordinária “aconteceu por vontade expressa do órgão, deliberada numa sessão anterior”. Mais: “Todos os deputados da Assembleia compareceram nesta reunião extraordinária o que, na minha opinião, supre todas essas falhas”, observa em jeito de sentença final.
Da sua vasta experiência em processos administrativos considera que, atendendo a que a iniciativa da reunião extraordinária partiu da Mesa da Assembleia, na medida em que houve uma deliberação da Assembleia a pedir essa convocatória e na qual foi aprovada, não existem muitas dúvidas quanto à vontade em querer que a reunião acontecesse”.
Em jeito de conclusão e perante os dados que dispõe entende que a exigência manifestada pelo deputado em querer ver o requerimento formal “é um mero preciosismo” por existir jurisprudência sobre esta matéria. Lembra que a própria Assembleia pode deliberar efectuar reuniões e caberá à Mesa encetar diligências para a concretizar a reunião. Ou seja, defende que não é necessário o requerimento formal escrito de convocatória de uma Assembleia Municipal Extraordinária quando essa reunião for pedida expressamente, por maioria, em Assembleia Municipal ordinária prévia. De resto, a acta da sessão anterior pode retirar todas e demais dúvidas.