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O ministro Nuno Melo e a minha memória de elefante

Quem me conhece bem sabe que tenho uma memória incrível, que vai ao extremo de me lembrar dos nomes completos dos colegas do colégio e das datas de nascimento. E é para mim que ligam quando querem saber em que ano é que partiram o dedo mindinho ou tiveram apendicite. Juro que não pedi para reter todos estes dados, mas têm sido aliados importantes ao longo de 34 anos de carreira. Desde que as mulheres ainda não andavam na tropa.

A memória persegue-me para o bem e para o mal, porque há coisas que eu queria esquecer e não consigo, principalmente algumas que me trouxeram dissabores. Vem isto a propósito da intenção (já vem tarde) de Portugal querer voltar a levar os pequenos à tropa, mas não aquela em que alguns saiam quase dois anos depois completamente avariados. Lembro-me de há duas gerações, ou seja, há vinte anos, ter visto o último Estandarte arreado no dia em que o Serviço Militar Obrigatório foi trocado por uma Playstation. Lembro-me das conversas dos militares mais velhos, resignados com o que o futuro traria e da incerteza das consequências da decisão tomada por quem talvez nunca tivesse calçado umas botas da tropa. Lembro-me de ter escrito que algum dia o fim do SMO sairia caro ao País e hoje, infelizmente, o tempo deu-me razão. Temos umas Forças praticamente (des)Armadas, chefes militares a correrem contra o tempo e jovens a conduzir tanques, comandar navios e pilotar aviões na consola. Mas também, ao que parece, não fazem muita falta na vida real, porque o desinvestimento nos meios acompanhou o enfraquecimento dos neurónios de quem decidiu e de quem reiterou a decisão de acabar com um exercício de cidadania que agora paira como um fantasma sobre as cabeças europeias.

Tenho pena de ter boa memória. Porque lembro-me de ter escrito ao longo dos anos sobre o êxodo de pilotos da Força Aérea para empresas privadas e mais recentemente, mecânicos e operadores seguiram-lhes o mesmo caminho. E agora há engenheiros navais a ganhar “cá fora” cem mil euros por ano.

Espero que o novo Ministro da Defesa Nacional, que valoriza o conceito de soberania à moda antiga e que se assume como monárquico, reorganize a cruzada lusitana. Ex-militar de Cavalaria, Nuno Melo vai certamente dar outro valor a esta equação e acompanhar a tendência europeia que tão bem conhece, pois andou pelos corredores de Bruxelas enquanto eu escrevia durante anos que a debandada dos militares ia dar erro. Tenho boa memória. Quem duvidar, pode ir ao Arquivo Regional consultar jornais ou perguntar ao Ricardo Salgado. Ele só não se lembra do nome dos filhos. Curiosamente, é a única falha no meu disco rígido. Para não trocar o nome às minhas quando o tom da conversa é mais duro e não quero perder a embalagem, pergunto sempre como é que se chamam. Quem me conhece sabe que tenho uma memória incrível. Mas também sabe que este é um clássico de qualquer mãe.