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O custo de uma íris

A Madeira teve a honra duvidosa de receber uma visita da Worldcoin, que veio oferecer criptomoedas no valor de cerca de 70€, tendo como contrapartida o scan da íris de voluntários.

Uma entidade oferecer dinheiro deve levantar suspeitas, em especial quando esta tem uma reputação duvidosa e diversos governos estão a investigar ou suspender as iniciativas desta empresa.

A íris é um identificador pessoal único como uma impressão digital. Ao voluntariar o seu scan, estamos a entregar um registo único que poderá vir a ser utilizado falsamente para nos vincular.

Os especialistas de dados pessoais e de cibersegurança pedem contenção e reserva ao partilhar dados pessoais, com o RGPD a dedicar um foco muito significativo na preservação de dados biométricos.

A Worldcoin tem um historial complicado, com diversas queixas sobre a maneira de angariação de novos utilizadores a surgirem em todos os continentes em que opera.

A França e o Reino Unido estão a investigar a empresa e o Quénia já interrompeu as operações da Worldcoin por indícios de fraude e insegurança quanto à armazenagem e tratamento de dados pessoais. Portugal baniu a operação por 90 dias para investigar esta operação.

Hackers roubaram as credenciais de operadores da Worldcoin criando uma falha de segurança no acesso à sua base de dados pessoais. Este episódio, bem como o fato de utilizadores estarem a vender os seus logins destrói um dos propósitos do sistema – ser um identificador pessoal único.

Logo, para que serve este sistema? Dizem, simultaneamente, ser um identificador único, um mercado financeiro global e um instrumento para implementar um rendimento básico universal.

Sou liberal e defendo a intervenção de privados em diversas funções do Governo, mas até um “liberal em toda a linha” pensa duas vezes antes de sugerir que a identificação dos cidadãos seja feita por uma empresa em substituição dos mecanismos normais. Os portugueses vão passar a fazer o registo civil dos seus filhos via Worldcoin?

Vamos deixar o sistema bancário regulado para utilizar um sistema não regulado? É que um sistema financeiro só defende os direitos básicos do consumidor se estiver num sistema regulado. Se a Worldcoin remover os meus fundos e disser que foi aprovado pela minha íris a quem apelo?

A Worldcoin vai começar a distribuir rendimentos mínimos por todo o Globo? Tudo isto é risível e nunca seria implementado na próxima década. Irão continuar a pagar até 2034 sem realizar rendimentos?

O ponto fulcral é perceber qual o incentivo da Worldcoin a pagar por este registo?

Todas as novas entradas são pagas com a moeda do emitente. Esta moeda tem valor consoante o seu valor de mercado, que é impactado pela entrada de novos utilizadores.

Logo, há um incentivo claro à entrada de novos utilizadores, não por terem vantagens em aderir, mas sim porque será vantajoso para quem já aderiu, criando um sistema de incentivos pernicioso.

Se o valor oferecido não for essencial à sua sobrevivência, evite. No futuro saberemos melhor qual o custo real de ceder a íris, bem como o seu valor de mercado.

Deixo-vos com uma regra de ouro: se não estás a pagar por algo, não és o cliente. És o produto a ser vendido.