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Ameaça russa reaviva discussão sobre serviço militar obrigatório na Alemanha

Foto Mircea Moira / Shutterstock.com
Foto Mircea Moira / Shutterstock.com

A ameaça russa reavivou a possibilidade da reintrodução do serviço militar obrigatório na Alemanha, suspenso em 2011, que está a dividir os partidos que formam o governo e a oposição.

"As Forças Armadas alemãs estão atualmente a examinar várias opções para a utilização de formatos de serviço militar. O regresso ao sistema obrigatório, suspenso desde 2011, custaria vários milhares de milhões de euros e implicaria um novo ajustamento estrutural importante", avisa o tenente-coronel Torben Arnold.

A mudança para um exército totalmente voluntário, há 13 anos, fez com que o número dos militares caísse. Depois das Forças Armadas alemãs terem atingido o pico com quase 500 mil soldados no final da Guerra Fria, o valor caiu para metade em 2010. Os dados mais recentes, adiantados à agência alemã de notícias dpa, em dezembro de 2023, estimam que as Bundeswehr tenham cerca de 181 mil e quinhentos profissionais.

"Todas as pessoas a considerar teriam de se submeter a exames médicos e seriam necessárias infraestruturas para alojamento e formação. É necessário identificar pessoal de treino suficiente. Estes soldados não podem ser utilizados noutras tarefas. Para além disso, todos teriam de ser dotados de equipamento e vestuário", algo que leva muito tempo, adianta o investigador no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP).

A União Democrata-Cristã (CDU), principal partido da oposição, manifestou interesse na obrigatoriedade do serviço militar. A coligação governamental, formada pelo Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e os liberais do FDP, tem sido mais cautelosa, com a exceção do ministro da Defesa. Boris Pistorius já classificou a suspensão do alistamento militar como um "erro" e quer debater a melhor forma de o repor.

Torben Arnold considera que, para tomar uma decisão informada, o ministro da Defesa está a analisar "todas as opções" e está também a ver como é que as outras nações lidam com esta questão.

"Uma guerra de grandes proporções exigirá um grande número de militares. Os preparativos para o treino são exaustivos. Ao mesmo tempo, devido à equiparação, não só os homens devem ser considerados, mas também as mulheres. No entanto, isso exigiria uma alteração da Lei Fundamental", explica o tenente-coronel à Lusa.

Para o analista político Marcel Dirsus, a reintrodução de um tipo de serviço militar é uma possibilidade, mas não está claro de que forma.

"Esta discussão ressurgiu com alguma força porque a ameaça da Rússia é bastante clara. Penso que reintroduzir o serviço militar pode acontecer, mas não acredito que nos mesmos moldes que antes. Será possivelmente um modelo híbrido, não obrigatório", sustenta.

Para o investigador não residente do Instituto de Política de Segurança da Universidade de Kiel, o "modelo sueco" parece ser uma alternativa viável.

A Suécia tem o que chama de "Serviço de Defesa Total". Abrange todas as pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 70 anos e classifica-as em vários tipos de funções, civis e militares, dependendo da necessidade e capacidade. Poucos servem ativamente, mas o sistema está preparado para aumentar ou diminuir conforme a situação o exigir. 

As Bundeswehr definiram como meta chegar às 203 mil pessoas até 2031.

Alemanha deve preparar-se para "nova realidade" com Rússia como "potencial ameaça"

A recente guerra de palavras entre Alemanha e Rússia está a agravar as tensões bilaterais, e Berlim deve preparar-se para uma nova realidade na qual Moscovo aparece como ameaça, segundo analistas ouvidos pela Lusa.

"A Rússia de Putin é um ator cada vez mais agressivo no palco internacional", considera o analista político Marcel Dirsus. Para o politólogo e historiador Dmitri Stratievski, a Alemanha tem de preparar-se para "muitos anos de tensão política e militar na relação com a Rússia". O tenente-coronel Torben Arnold considera que, perante este cenário, "faz sentido atualizar e equipar as Forças Armadas alemãs".

O ministro da Defesa, Boris Pistorius tem lançado avisos aos alemães para que estejam preparados para um confronto de uma década com a Rússia. Uma recente fuga de informação sobre una reunião entre oficiais do exército alemão, cujo teor foi divulgado pela Rússia, veio azedar ainda mais as já tensas relações entre os dois países.

O Kremlin acusa Berlim de estar a planear atacar o território russo. A Alemanha diz que a fuga de informação é um ataque que tem como objetivo dividir a Europa.

"A Alemanha tem de preparar-se para uma nova realidade em que a Rússia é uma potencial ameaça. Depois do fim da guerra fria, houve várias décadas em que a Alemanha pôde usufruir da paz, e focar-se noutras coisas (...) Durante esse período, as pessoas esqueceram o passado. Agora vão ter de voltar a habituar-se", considera Marcel Dirsus.

"Com décadas de desinvestimento, a Alemanha não está sequer próxima de estar preparada. O investimento na defesa terá de aumentar. Não só para criar recursos, mas para assegurar que os que existem podem ser usados. Muito dinheiro deverá ser gasto em munições, porque não adianta ter bons tanques, ou armas de fogo, se não as podemos disparar", aponta o investigador não residente do Instituto de Política de Segurança da Universidade de Kiel em declarações à agência Lusa.

Para Dirsus, aumentar o financiamento das Bundeswehr (forças armadas) é um desafio numa altura em que os alemães vêm os preços a subir.

"Antes de fevereiro de 2022, a elite política alemã achava que Putin era autoritário, mas pelo menos previsível e não iria arruinar os seus negócios (...) Berlim calculou mal. A história recente mostrou que o atual regime de Moscovo está disposto a sacrificar milhares de milhões de lucros e as perspetivas económicas do seu país para as próximas décadas em prol das suas ambições imperiais", considera Dmitri Stratievski.

À Lusa, o diretor do Osteuropa-Zentrum de Berlim (OEZB) considera que a Alemanha "tem de aprender" com os erros.

"Um ataque da Rússia a um país da NATO parece-me improvável, pelo menos a curto prazo. No entanto, não são de excluir novas tensões e a interferência russa noutras regiões, como a Moldova. A potência protetora da Moldova é a Roménia, membro da NATO. Por conseguinte, não é improvável uma escalada no sudeste da Europa com o envolvimento da NATO", assume.

De acordo com Stratievski, a Alemanha está obrigada a adaptar-se às novas realidades geopolíticas e, juntamente com os seus aliados ocidentais, a concentrar-se na estratégia de dissuasão em relação à Rússia.

Para o tenente-coronel Torben Arnold, "as negociações com a Rússia e o regime liderado por Vladimir Putin não fazem sentido porque não têm valor".

"Um acordo não valeria o papel em que fosse escrito. Existe atualmente uma falta de confiança total na celebração de acordos com a Rússia, quer bilaterais, quer multilaterais, quer através de instituições internacionais. Isto exigiria, em primeiro lugar, um sinal visível de vontade por parte de Moscovo", considera o investigador no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP).

Arnold defende que a Alemanha deve continuar a deixar claro que apoia sem reservas os seus parceiros e que não aceita de forma alguma o comportamento da Rússia.

"Ao mesmo tempo, tem de dar sinais de que manterá a cabeça fria em relação a governantes como o Presidente Putin. Sendo de longe o maior apoiante da Ucrânia na Europa, a Alemanha tem de continuar a desempenhar o seu papel de apoiante, mediador e força motriz", destaca.