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Crónicas

O Problema é a Maioria

1. Os dias arrastam-se, lentos e pesados, enquanto a situação política, como velha mansarda decadente, começa a mostrar as rachas, ameaçando desmoronar sob o peso de segredos antigos.

A Santinha da Assembleia, figura enigmática, envolta em mistério. A defensora fervorosa do Animalismo, movimenta-se nos corredores sombrios da política com uma graça quase sobrenatural. Como fiel da balança de uma maioria, detém um poder místico, capaz de moldar o futuro da Região ao seu bel-prazer. O que hoje é verdade, amanhã é mais ou menos e depois de amanhã, é mentira. Nas suas mãos, as leis e os destinos entrelaçam-se como teias de aranha delicadas. Aderiu ao sistema com uma graça e bem-saber inesperado. Não é parte das soluções, é a grande medida dos problemas.

A Santinha da Assembleia, com uns olhos que parecem ver através das almas. Mas não se enganem! Sob essa aura de santidade, esconde-se um coração astuto, melífluo, ciente dos jogos de poder que dançam ao redor do trono invisível que ocupa. Cada decisão, cada movimento, é um passo calculado no xadrez político, onde peões e reis são manipulados com destreza. Não há aqui quaisquer questões de princípios, mas um calculismo frio e bem definido. E assim, a Santinha da Assembleia, entre sussurros e olhares furtivos, tece o destino da Madeira, onde os corredores do poder são sombras sob o seu comando.

A Santinha da Assembleia é pequenina, mas dona de uma subtileza típica de um elefante numa loja de porcelana. Com uma mão acaricia a cabeça dos seus apaniguados, enquanto com a outra, habilmente, manobra os cordéis da política, longe de qualquer sentido ético e/ou moral. A Santinha, no seu altar elevado de boas intenções e sorrisos diplomáticos, prega a salvação e a estabilidade, enquanto os políticos ao redor, como fiéis discípulos, balançam a cabeça em concordância — alguns por fé, outros por medo de serem mordidos e outros ainda por receio de perderem as prebendas a que se habituaram.

Neste reino, onde os animais são sagrados e alguns políticos comportam-se como animais de estimação, a Santinha reina suprema. Mas atenção, que enquanto tudo se desfaz como um castelo de cartas, a Santinha, no seu altar decorado com decisões e dilemas, continua a jogar um jogo de quem só ela sabe as regras. Uma espécie de enredo gótico, onde cada escolha tem o seu preço, cada acção a sua sombra. E na dança macabra do poder, até a mais nobre das intenções pode se perder na escuridão.

2. O fantástico poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, dá sempre para umas adaptações fantásticas.

Albuquerque era presidente, Tranquada podia ser, mas tinha lá Jaime, que olhava para Rafaela, que mirava Ramos, preocupado com Coelho, que via Eduardo, que se admirava ao espelho.

Albuquerque bazou, Tranquada partiu para o convento, Jaime ficou para tio, Rafaela foi tratar dos nabos, Ramos fazer pensos, Coelho claudicou e Eduardo olhou por cima do ombro para Mónica Freitas que finge que não faz parte desta história.

3. O nosso problema é a maioria! O nosso problema é o determinismo desta maioria absoluta, ao deterem poder significativo moldam políticas, interferem na vida de todos e transportam sempre a arrogância do “achismo”. Mal liderada, carrega uma “tirania da maioria”. Já o ouvi várias vezes na Assembleia: “queres mais tempo, tivesses mais votos”, “a maioria somos nós”, e a expressão mais intrigante, “foi a nós que os madeirenses elegeram”, como se todos os outros deputados não tivessem sido eleitos. Devo ter algo de “Espírito Santo” e estou na ALRAM por obra e graça do Divino.

Esta maioria transformou todos os madeirenses numa enorme minoria. O seu interesse é o de defender a todo o custo, a sua dominância, os seus pequeninos interesses.

Por norma, as decisões das maiorias absolutas, oprimem e desconsideram a maioria dos votos que as sustentam. Ou seja, muitas das vezes o exercício do poder torna-se abusivo e injusto.

Uma maioria absoluta pode liderar e guiar uma democracia, e é imperativo que esse poder seja exercido com responsabilidade e com um olhar atento ao bem-estar e aos direitos de todos os cidadãos, independentemente de quem são e em que acreditam. A verdadeira democracia floresce quando há um equilíbrio entre o poder da maioria e a proteção dos direitos de todos.

Quando penso nestas coisas lembro-me logo de Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são, quase sempre, homens maus”. Não há pensamento melhor e mais definidor do momento que vivemos, do que este. E nem falo dos “casos” que desencadearam tudo isto. Estou a referir-me a uma “corrupção” ética, a uma “corrupção” dos valores, uma “corrupção” que faz prevalecer os pequenos interesses sobre os de todos.

4. Estar refém de partidos políticos agarrados ao poder, mesmo após perderem a legitimidade, é um mergulho num abismo de desilusão democrática.

Somos todos testemunhas, nestes dias, da erosão da ética política, onde a vontade popular é sufocada sob o peso de agendas pessoais e interesses partidários mesquinhos.

Neste cenário, a democracia transformou-se numa farsa, um espetáculo montado para manter as aparências enquanto os verdadeiros propósitos são escusos e autoritários.

Estes partidos, como parasitas, desvirtuam os princípios democráticos. Alimentam-se da apatia e do desencanto dos madeirenses. E é com isso, com a indignação, que se alimentam outros, sempre prontos a ocupar, com os mesmos vícios, o lugar dos anteriores.

Os madeirenses sentem-se impotentes, observando a deterioração das instituições sem poder fazer nada, pois não os deixam ir a eleições. Tudo isto é vergonhoso. A política, que deveria ser um meio de transformação e progresso, torna-se num jogo de manutenção de poder, onde os interesses da Madeira são constantemente negligenciados.

A falta de legitimidade política do PSD, do CDS e do PAN manifesta-se nas suas ações. Dão mais importância à sua perpetuação no poder do que estar na política com legitimidade e ética.

O debate político, que deveria ser de ideias e soluções, transformou-se num palco de teatro do absurdo.

A transparência e a responsabilidade, essenciais em qualquer democracia saudável, são substituídas por uma névoa de retórica vazia e de conversas sem sentido. O mais trágico é que este cenário alimenta um ciclo de desesperança e cinismo entre todos. O acreditar na possibilidade de mudança real e significativa vai se esvaindo, e o espaço para o surgimento de novas lideranças, que poderiam revitalizar o panorama político, fecha-se.

Fica então a pergunta: até quando os madeirenses permitirão que estes partidos corroam as bases da democracia, da nossa Autonomia, antes que seja tarde demais para resgatar o verdadeiro sentido de governança do povo, pelo povo e para o povo?

5. Em tempos como estes, o fenómeno cada vez mais presente da radicalização política, representa uma ameaça à coesão social e ao diálogo. A classe política, que devia ser o garante da ética e da moral, não o é. E saltam do armário os oportunismos e os populismos.

Magoa-me ver pessoas que considero, a postar nas redes sociais coisas salazarentas a tresandar a bafio. Esta tendência leva a um círculo vicioso de polarização e de intolerância. Quando nos fechamos nas nossas bolhas ideológicas, tendemos a ver o mundo apenas através das lentes das nossas crenças, rejeitando ou ignorando perspectivas diferentes. Isto empobrece o debate e cria terreno fértil para a disseminação de desinformação e teorias da conspiração.

A estupidez da radicalização política não está apenas nas suas consequências directas, mas também na maneira como deturpa o propósito da política. Política, o modo que permite alcançar o bem comum, um processo de negociação e compromisso entre diferentes interesses e ideias. No entanto, a radicalização transforma a política num campo de batalha, onde o objetivo não é encontrar soluções que a todos beneficiem, mas sim vencer a todo o custo.

A radicalização alimenta a divisão e o conflito. Os que se deixam radicalizar, muitas vezes, veem os que têm opiniões diferentes, não apenas como adversários, mas como inimigos a serem derrotados, levando a um aumento da hostilidade e até mesmo à violência, minando os fundamentos da convivência pacífica e do respeito mútuo.

O impacto da radicalização na capacidade de tomar decisões informadas e racionais é outra das consequências. Indivíduos e grupos radicalizados tendem a ignorar factos e evidências que contradizem as suas crenças, gerando decisões políticas mal informadas.

O facilitismo da radicalização deve ser rejeitado. Os caminhos a escolher na nossa vida comum devem ser sempre os mais difíceis, por serem esses os mais correctos e melhores.