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Política e Cidadania

Num daqueles almoços cúmplices, e de grande reflexão e pensamento, com o meu Mestre, Manuel Filipe Correia de Jesus, falava, com alguma preocupação, e quase vencido, confesso, no evidente desinteresse das pessoas, especialmente no desinteresse dos jovens, pela política. O Dr. Correia de Jesus reagiu logo com aquela sua firmeza serena e sempre muito educada: “mas sabe, não se podem desinteressar, porque o que se passa na política tem efeitos na vida dessas pessoas, é a vida dessas pessoas”, disse com aquela sua naturalidade madura.

E esta deve, de facto, ser sempre a primeira reação. Não nos podemos conformar com este desânimo generalizado e todos temos a obrigação de procurar inverter o rumo das coisas, cada vez mais, com contributos consistentes e com posicionamentos sérios que dignifiquem e prestigiem a política e a intervenção pública. Todos, especialmente aqueles que têm já responsabilidades políticas genuínas, não os que parece que transpiram sentimento político nas palavras, mas que acabam por ser demasiado curtos nas ações. O carácter genuíno sente-se. Tudo o que é artificial não vinga porque não presta. Todos os que compram imagem caem porque lhes falta o essencial: identidade, integridade, coerência, transparência e verdadeira força de carácter. O carisma não se compra, muito menos naquelas empresas pedantes e ocas, pagas a peso de ouro, para vender imagem e conversa fiada.

Este talvez seja o primeiro grande problema: a falta de identidade e de qualidade cívica, ética, e até profissional, de muitos dos atores que têm sido, de uma forma quase aleatória, atirados para o teatro da política. Esta primeira deficiência ganha, depois, dimensão na forma como esse teatro se desenrola, num processo subvertido, muitas vezes de compra de pessoas e de compra de canais de venda de imagem e de mensagens deturpadas.

E isto leva-nos para outro patamar de abordagem que envolve agora aqueles que são os verdadeiros protagonistas no processo democrático: o povo. Num mundo ideal, o povo travaria aquele processo subvertido e altamente dispendioso e lesivo, mas nós ainda não vivemos nesse mundo ideal, o que obriga a que, pelo menos, uma maioria resistente, livre e democrática não desanime e se mantenha firme e particularmente atenta a todos os sinais, unida nos princípios fundamentais, isto por forma a que se possa bloquear qualquer processo viciado que use o sistema democrático apenas para atingir o poder e, a partir desse poder, se instalar de forma egoísta e arrogante, colocando-se apenas ao serviço de minorias balofas. O sistema subverte-se quando a maioria é enganada e usada de forma subtil.

Isto aumenta a responsabilidade do povo verdadeiro, especialmente daquela espécie de maioria mínima de salvaguarda democrática, verdadeiro batalhão de pessoas com especial sentido de responsabilidade cívica que tem de impedir a subversão. É evidente que isto não é simples. Conheço movimentos subvertidos que permanecem no poder há anos apenas porque entretêm uma maioria distraída, sonâmbula ou adormecida. Mas é preciso transformar as maiorias adormecidas em maiorias vivas de salvaguarda. É preciso interpretar todo os sinais. Conhecer os protagonistas, para além do que nos vende uma qualquer revista ou programa televisivo “cor-de-rosa”. Conhecê-los antes da política. Saber o que faziam antes da política. Confesso que me cruzo com pessoas na vida política cuja formação profissional ou profissão desconheço em absoluto. Não sei o que são fora da política.

Julgo que já percebemos que o mundo atual exige mais de cada um de nós em todos os momentos. Exige, acima de tudo, uma atenção e um cuidado muito especial na escolha de quem nos representa politicamente. Exige um apurado envolvimento cívico e uma participação pública ativa, séria e esclarecida, especialmente dos mais jovens, naquela sua irreverência responsável. Exige uma maior disponibilidade para a vida pública e para a política. E exige, também, naturalmente, uma maior abertura dos partidos que não se podem fechar em meia dúzia de pipocas saltitantes. Se o fizerem, morrerão esturricados.