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Crónicas

Das empresas e dos subsídios

1. Disco: “Made in Japan (1972)”, dos Deep Purple, é um dos melhores álbuns ao vivo da década de 70 e um dos mais importantes da história do rock. Gravado em dois concertos em Osaka e Tóquio, no Japão, o disco apanha a banda na sua melhor forma, cheia de energia e virtuosismo. Claro que tenho de destacar “Smoke on the Water”, que encerra o álbum com chave de ouro. A versão ao vivo é muito mais poderosa do que a versão de estúdio, e é considerado um dos melhores desempenhos ao vivo de todos os tempos. Uma obra-prima da música ao vivo.

2. Livro: “O Sonho do Celta”, de Mário Vargas Llosa, é um romance histórico que narra a vida de Roger Casement, um diplomata irlandês que se tornou um dos mais importantes defensores dos direitos humanos do início do século XX. Uma obra magistral que combina ficção e realidade, e que oferece uma visão fascinante da vida e da obra de Casement. Uma leitura obrigatória para todos os que se interessam por história, política e direitos humanos.

3. Chamem-me o que entenderem, mas qualquer apoio que procure fomentar a competitividade das empresas através da distribuição de recursos financeiros provenientes dos contribuintes é uma proposta que suscita múltiplas questões e críticas profundas, transcendendo a sua aparência superficial.

Para começar, é essencial sublinhar que estes apoios governamentais são percebidos por muitos como uma contradição nos seus próprios termos. Afinal, busca-se promover a competitividade empresarial por intermédio da intervenção estatal, um conceito que, à primeira vista, parece paradoxal. Isto ocorre porque uma intervenção excessiva do governo no mercado pode distorcer a concorrência, gerar distorções e prejudicar a eficiência económica.

A intervenção do estado é muitas vezes justificada como um meio de corrigir falhas do mercado, como a provisão de bens públicos, a regulação de monopólios e a proteção dos consumidores e do meio ambiente. No entanto, a acção governamental pode, paradoxalmente, levar à ineficiência e distorção. Este paradoxo reside no fato de que, enquanto o estado tenta optimizar os resultados, a sua intervenção pode perturbar o equilíbrio natural do mercado e a sua eficiência natural.

A teoria económica do liberalismo clássico, defende que os mercados, quando deixados à sua própria dinâmica, tendem a alocar recursos de maneira mais eficiente do que o faria qualquer planeamento centralizado. Esta visão sugere que a intervenção estatal, ao distorcer os sinais de preço e a distribuição de recursos, pode resultar em ineficiências, como a sobreprodução ou subprodução de certos bens e serviços.

Esta contradição é ainda mais acentuada quando se considera a promoção da competitividade empresarial. Por um lado, subsídios governamentais e outras formas de apoio podem ajudar empresas a sobreviver sem se preocuparem em ser mais dinâmicas, produtivas e em investir em inovação. Por outro lado, tais intervenções podem criar dependências, distorcer a concorrência justa e incentivar a permanência no mercado de empresas ineficientes, que sobrevivem não por mérito próprio, mas devido ao apoio estatal.

Visto isto, a intervenção estatal é frequentemente criticada pela possibilidade de ser influenciada por interesses políticos e económicos, levando a decisões que favorecem determinados grupos em detrimento do bem-estar geral. A divisão de recursos baseada em decisões políticas, em vez de critérios de mercado, vai resultar em distribuições deficientes e na perpetuação de ineficiências estruturais.

A ideia de dar dinheiro dos contribuintes às empresas é vista por alguns como um absurdo económico. Argumentam que esta abordagem pode criar incentivos perversos, levando as empresas a dependerem de subsídios governamentais em vez de se empenharem na melhoria da sua eficiência, inovação e competitividade no mercado. O socialismo mais radical, enquanto ideologia política, preconiza a propriedade colectiva dos meios de produção. Portanto, a ideia de fornecer dinheiro dos contribuintes às empresas pode ser interpretada como uma forma de intervenção estatal nos negócios, algo que remete, ideologicamente, a uma qualquer espécie de socialismo.

Não é difícil compreender que estes apoios financeiros podem fazer parte de um ciclo de dependência das empresas relativamente à benevolência dos governos. A prática de distribuir fundos de forma indiscriminada sugere que as empresas se tornam cada vez mais dependentes do apoio governamental, criando uma dinâmica de subalternidade a longo prazo. Isso suscita preocupações sobre a capacidade das empresas de inovar e desenvolver-se de forma autónoma.

Outro aspeto relevante a considerar é a oportunidade. A crítica de que estes marcam os sucessivos ciclos eleitorais, levanta inquietações compreensíveis sobre as motivações políticas subjacentes à sua implementação. Em vez de ser uma medida baseada em necessidades económicas genuínas, é frequentemente percebida como uma estratégia política para conquistar votos, o que prejudica a sua eficácia e imparcialidade.

Não obstante, é importante esclarecer que não coloco em causa o apoio às empresas em si. A preocupação reside na forma como esse apoio é aplicado. A distribuição de dinheiro sem critério pode minar a busca por crescimento económico autêntico e apoio genuíno. Em vez de encorajar as empresas a crescerem com base na sua própria inovação, eficiência e competência, os subsídios governamentais podem criar um ambiente onde o sucesso empresarial depende principalmente do acesso a recursos governamentais. Isso distorce os incentivos para a busca da excelência e reduz o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para além de que, em momentos de crise ou de penúria do Estado, o que vai acontecer é uma queda do “castelo de cartas” construído apoiado nos impostos pagos pelos contribuintes.

O apoio estatal leva à distorção da concorrência. Subsídios e outras formas de assistência financeira dão às empresas beneficiadas uma vantagem injusta sobre os seus concorrentes que as não recebem. Isto prejudica a competição saudável, pilar essencial de uma economia de mercado eficiente. De modo geral, em vez de promover a inovação e a eficiência, o apoio estatal incentiva as empresas a se concentrarem mais em obter favores governamentais do que em melhorar os seus produtos ou serviços.

O apoio às empresas, muitas vezes, carece de transparência e responsabilidade. Os critérios para receber apoios não são claros ou são aplicados de forma inconsistente, levantando questões sobre favorecimento e mesmo corrupção, o que pode levar a uma atribuição ineficiente de recursos, onde o apoio é concedido com base em relações políticas ou outras considerações não meritocráticas, em vez do potencial económico ou da necessidade.

Políticas de apoio mal orientadas resultam, muitas vezes, em “modelos zumbis”, onde empresas ineficientes são mantidas artificialmente à tona através de assistência contínua. Isso não só é factor de distorção, mas também impede o progresso económico, ao conceder recursos para empresas que, de outra forma, não seriam viáveis, desviando-os de usos mais produtivos.

Um exemplo notável disso pode ser visto nas indústrias altamente reguladas ou protegidas, onde o apoio estatal pode criar monopólios ou oligopólios, restringindo a entrada de novos concorrentes e de inovação. Por exemplo, em alguns países, as indústrias de energia e de telecomunicações receberam significativos apoios governamentais, o que levou a mercados altamente concentrados com pouca concorrência e inovação.

Importa salientar, mais uma vez, que os subsídios governamentais podem condicionar as empresas e representam uma forma de ingerência governamental nas suas operações, limitando a sua liberdade de ação e capacidade de inovação, pois determinam regras muito restritivas, que são menos favoráveis à autonomia empresarial e à liberdade de decisão.

No entanto, existem alternativas viáveis. Uma abordagem diferente passaria pela distribuição de recursos, tanto formais quanto fiscais, para capacitar as empresas a crescer de forma independente, sem depender excessivamente de apoios, subsídios e programas governamentais. Isto promoveria a independência empresarial, permitindo a expressão da criatividade, audácia, inovação e desenvolvimento. As empresas seriam incentivadas a competir no mercado com base nos seus próprios méritos e capacidades.

No centro desta discussão, reside a escolha entre uma cultura de ambição, crescimento, risco e desenvolvimento autónomo e a adoção de um modelo frequentemente designado como uma “economia de mão estendida”. Este pressupõe a atribuição de recursos financeiros em direção a um destino incerto, no contexto do crescimento económico. Apesar de aparentemente seguro para alguns, este modelo é frequentemente moldado por estatísticas manipuladas e produz, de modo geral, resultados de fraco valor.

A competitividade das empresas é fundamental para o crescimento económico de um país, e é importante ponderar cuidadosamente os prós e contras destas abordagens, uma vez que este tipo de apoios é, muitas vezes, contraproducente, criando dependência das empresas relativamente ao governo e contribuindo para o aumento do défice público.