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Fact Check Madeira

Há acções judiciais na Madeira que terminam quando as empresas envolvidas já não existem?

O processo de insolvência do stand de automóveis 'Auto Bairi' teve início em 2011 mas só ficou concluído há uma semana. Foto Teresa Gonçalves/Arquivo DIÁRIO
O processo de insolvência do stand de automóveis 'Auto Bairi' teve início em 2011 mas só ficou concluído há uma semana. Foto Teresa Gonçalves/Arquivo DIÁRIO

O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e ex-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, defendeu, nos últimos dias, em entrevista ao DIÁRIO e numa conferência no parlamento regional, que Portugal precisa de uma reforma na justiça e afirmou que há processos que se “arrastam ao longo de anos” nos juízos de comércio e nos tribunais administrativos e fiscais e que, “muitas vezes, quando a decisão chega já as empresas não existem, porque fecharam em resultado da ineficácia da justiça”. Será mesmo assim?

A afirmação do empresário e dirigente associativo encerra uma parte que é verdadeira mas também outra que não corresponde à realidade.

Tomando como exemplo o sistema judicial na Madeira, verifica-se que há efectivamente processos que deram entrada há mais de uma década no Juízo de Comércio do Funchal (Palácio da Justiça junto à CMF) e no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAFF) e que ainda hoje não se encontram encerrados por vários motivos, como a necessidade de diligências processuais ou a pendência de recursos em instâncias superiores.

É verdade que alguns processos terminam quando as empresas intervenientes já não existem. Essa situação é praticamente a regra comum nos processos de insolvência tramitados nos juízos de comércio, mas não está relacionada com a morosidade da justiça mas antes com a situação económico-financeira das sociedades em causa, que acabam em tribunal porque estão precisamente à beira da falência. Podemos apresentar dois exemplos retirados do último mês de actividade do Juízo de Comércio do Funchal: o stand de venda de carros ‘Auto Bairi’, que ficou insolvente há 10 anos, só na passada terça-feira viu o seu processo encerrado; os credores da Sociedade de Construções Primos, que entrou na falência em 2015, só na última sexta-feira ficaram a saber quanto vão receber das verbas recuperadas. Embora o antigo ‘patrão’ da CIP impute aos serviços judiciais a responsabilidade pela morosidade destes processos, na realidade quase toda a tramitação destas acções depende do trabalho dos administradores de insolvência, que são profissionais que desenvolvem a sua actividade em escritórios fora dos tribunais.

Na esfera administrativa e fiscal também é comum haver processos com mais de 10 anos. No entanto, nesses casos é mais raro que as empresas intervenientes ‘morrerem’ antes da resolução dos respectivos litígios. Por exemplo, em Novembro passado, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre um processo interposto pela cervejeira Unicer sobre uma ecotaxa que a Alfândega do Funchal quis cobrar em 2013. A 7 de Dezembro passado, o mesmo tribunal concluiu um acórdão de um processo que o ‘Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis’ (CIMA) interpôs em 2014 e que está relacionado com a concessão do negócio das inspecções automóveis na Madeira feita pelo Governo Regional há 27 anos!

Em resumo, é verdade que há problemas que se arrastam há décadas nos tribunais e que a resolução de alguns litígios só chega quando as empresas intervenientes já não existem. Mas carece de rigor a afirmação de que tais sociedades “fecharam em resultado da ineficácia da justiça”.

"Nós temos que ter uma justiça mais célere e eficaz, que dê aos agentes económicos uma rapidez nos seus processos, para que eles não se arrastem ao longo de anos, e nomeadamente nos tribunais de comércio e administrativos e fiscais. Muitas vezes quando a decisão chega já as empresas não existem, porque fecharam em resultado da ineficácia da justiça" - António Saraiva, presidente da Cruz Vermelha e ex-presidente da CIP