Madeira

"A Madeira pode ser o maior registo europeu dentro de 10 anos"

Foto DR
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Representante da nova geração de líderes na indústria naval, Maren Schroeder tem menos de 20 anos de actividade profissional, é actualmente Managing Director da Stolt Tankers e vai substituir Robert Lorenz-Meyer como presidente do Direcção da EISAP - Associação Europeia de Armadores Internacionais de Portugal, representando mais de 80% dos armadores com navios registados no MAR. Além da entrevista, acrescentamos algumas notícias sobre o 'Madeira Maritime Week 2023', que começou ontem, continua hoje e termina amanhã.

Quais são os temas que mais preocupam os armadores com navios registados em Portugal?

Portugal evoluiu muito num espaço de tempo muito curto. Portugal e, sobretudo, a Madeira. A forma como o Registo é valorizado e é percebido por todos os agentes económicos e políticos como a mais-valia que oferece, é de louvar.

A evolução faz com que os armadores europeus olhem para a Madeira e para Portugal como um local de confiança para registar o que é mais relevante para a sua actividade económica, o seu bem essencial, os navios. Mas, claro, nem tudo são rosas e existem ainda alguns problemas que podem começar a dificultar o crescimento acentuado da Madeira como espaço de registo de navios. No centro das questões a trabalhar está a da comunicação. Somos armadores internacionais. O nosso mercado é global, agimos e trabalhamos globalmente e não temos disponibilidade física nem de tempo para tratar de pequenas questões que afectam directamente a operação dos navios, que podem estar na Europa, na Ásia ou na América. Por isso, não faz sentido que, por exemplo, a administração marítima não aceite que entidades devidamente e legalmente mandatadas por nós, não possam apresentar processos em nosso nome. Não queremos ditar à administração nem influenciar a tomada de decisões da administração. Pelo contrário, queremos que a administração siga as melhores práticas internacionais em termos de cumprimento das regras relacionadas com a segurança, a sustentabilidade e a inovação. Os armadores europeus são cumpridores e sabem que o incumprimento é o caminho mais curto para a perda de competitividade num mercado global, agressivo e dinâmico. Queremos simplesmente encurtar a cadeia de comunicação, evitar perdas de tempo que conduzem à ineficiência, o que é feito permitindo que os nossos representantes legais efectuem o trabalho relevante de apresentar casos à administração marítima. Estamos convencidos, por exemplo, de que o seu conhecimento das regras de funcionamento da própria administração pode levar a uma maior eficiência administrativa, uma vez que os casos podem ser apresentados de forma mais clara a quem tem de decidir, que é a administração. Não queremos substituir a administração no processo de decisão. Temos outras coisas com que nos preocupar. Nem sequer queremos influenciar essa tomada de decisão. Queremos, apenas, encurtar a cadeia de comunicação, tal como já acontece em vários registos europeus. Podemos também referir outras questões. Há mercados em que a Madeira tem dificuldade em entrar, devido ao simples facto de Portugal ainda não ter transposto  legislação comunitária. O importantíssimo mercado da navegação fluvial é um exemplo claro deste facto. Estamos, no entanto, convencidos de que tudo se resolverá e que Portugal não perderá a oportunidade que o MAR representa. O Estado Português sabe que tem na EISAP um parceiro atento e disponível, que procurará sempre defender os interesses dos armadores, mas que compreende que esses interesses devem ser alinhados com a estratégia nacional.

Sendo um sector altamente competitivo e crucial para o transporte mundial, como vê o papel do registo português no contexto internacional?

O MAR é um instrumento fundamental para a União Europeia e para os armadores europeus e, à semelhança de outros registos, é um espaço fundamental para atrair para a regulamentação europeia navios que estavam registados em registos offshore. Os dados sobre o crescimento do MAR são claros: 80% dos registos são feitos por armadores europeus com navios registados fora da União. Trata-se de navios de qualidade, detidos ou controlados por armadores europeus que cumprem a legislação europeia, que regressam aos Estados de bandeira europeus e isto é absolutamente fundamental, especialmente em termos de incerteza económica e geopolítica, de incerteza das condições nas cadeias logísticas globais. Estou convencido que este papel geopolítico é a principal oferta do MAR à Madeira, a Portugal e à União Europeia, a par, naturalmente, do "peso" que dá a Portugal nas instituições internacionais onde se decide grande parte da economia global, como é o caso da Organização Marítima Internacional.

Quais são os maiores desafios que o sector dos armadores europeus enfrenta? 

O Fit for 55, que obrigará o sector marítimo europeu a ser neutral em termos de emissões de carbono até 2050, é o desafio central neste momento. A transição energética, para combustíveis verdes exige investigação e um enorme esforço na criação de cadeias logísticas globais de distribuição de combustíveis, exigindo também a adaptação de navios e de portos. Em suma, são necessários níveis de investimento extremamente elevados, que devem ser partilhados pelos governos e pelos armadores (na medida em que estes últimos possam contribuir). Exige a tomada de decisões muito importantes num período de tempo muito curto. Estas decisões estão relacionadas com a direcção dos investimentos a realizar, com o posicionamento estratégico, ou seja, com a competitividade da indústria europeia a médio-longo prazo. Daí que seja relevante que os governos, as administrações marítimas, os registos europeus actuem em conjunto, com o objectivo de alargar as regras europeias de descarbonização à indústria global, criando regras e regulamentos iguais para todos os armadores, para todos os portos, para todos os distribuidores. Esta concertação terá necessariamente de ter lugar na IMO, porque é na IMO que se joga o jogo global. Outros desafios são igualmente pertinentes. A questão da formação é importante. É necessário trabalhar em programas de formação, preparando os jovens para os desafios colocados pelos navios não tripulados ou com um minimum safe manning inferior ao actual. Nascerão novas profissões. Outras acabarão por ser menos relevantes e, mais uma vez, Portugal, que está um pouco atrasado em termos de formação, pode transformar esse atraso numa vantagem, alterando os currículos nas escolas náuticas e em todo o sistema educativo, investindo no ensino técnico, comunicando bem a vantagem das profissões ligadas ao shipping, investindo no desenvolvimento de competências nas áreas da economia, do mar, da legislação marítima, estando assim na linha da frente. Esta é outra vantagem do MAR, ou seja, através da ponte que estabelece entre armadores e governos, permite uma comunicação fácil e imediata, o que possibilita um maior conhecimento do sector e das suas necessidades. Seria também uma ideia interessante, para Portugal e para a Europa, definir parcerias de formação com países que são actualmente os maiores fornecedores de marítimos.

O sistema de créditos de carbono pode ser uma vantagem para a indústria europeia?

Pode ser uma vantagem e a próprio EISAP assumiu-o recentemente, num comunicado de imprensa. Mas, mais uma vez, temos de ter cuidado para não prejudicar a competitividade europeia, do transporte marítimo europeu. Mais uma vez, se o jogo é global, joguemo-lo à escala global. 

Como pode Portugal promover o green shipping em termos de registos?

Portugal deve desenvolver o conceito de green shipping com base em critérios racionais e abrangentes, e não em critérios simplistas que podem ser facilmente contestados. A questão é complexa, pois muitas vezes os maus rattings devem-se mais ao comércio do que ao navio. Penso que uma das formas de criar um conceito aceite e mais justo de green shipping é apoiar os pioneiros, que estão a testar novas tecnologias, através de um sistema de incentivos.  

Até onde pode crescer o Registo de Navios da Madeira, tendo em conta o crescimento que tem tido nos últimos anos?

O crescimento do MAR depende da vontade da administração marítima portuguesa. Se houver abertura para resolver as questões que acima apontei, não tenho dúvidas em acreditar que a Madeira pode, dentro de dez anos, ser o maior registo europeu. Será muito mais difícil se Portugal não compreender as necessidades dos armadores.

Ocupa um cargo numa associação e num sector dominado por homens. Como se sente neste papel de destaque e perante os seus pares, especialmente em termos de igualdade de género?

A igualdade entre homens e mulheres é uma questão muito concreta no sector do transporte marítimo. Um estudo recente da PWC, apresentado à Comissão Europeia, mostra que o número de mulheres que trabalham no sector, a nível mundial, é praticamente igual ao número de homens, o que é positivo. Menos positivo é o facto estatístico de as mulheres receberem menos do que os homens e de, muitas vezes, terem mais dificuldade em ascender a posições de liderança. É fundamental desenvolver um plano para lidar com o problema e, neste campo, o papel das organizações de mulheres na indústria é absolutamente instrumental, tanto junto das autoridades como dos agentes e actores do sector, no sentido de alertar, sensibilizar e propor acções concretas de mudança.  

Quais são os principais objectivos que assume para o seu "mandato", para além, claro, de atrair mais mulheres para este sector?

Em primeiro lugar, quero sentir que contribuo para o crescimento do MAR, com consequente aumento de receitas para a Madeira e para Portugal, através do alinhamento de interesses, do estabelecimento de canais de diálogo e de uma boa comunicação. Acredito também que, passado o período de criação, a EISAP deve dar o passo seguinte, que é estar presente nos principais fóruns de discussão da economia do mar em Portugal. Queremos estar presentes, queremos contribuir, queremos dar a nossa voz, a nossa opinião. Para isso é necessário que os serviços caminhem para um maior profissionalismo. O trabalho do Robert Lorenz-Meyer foi notável e cimentou a EISAP. Agora queremos dar um passo em frente.

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