Crónicas

As pessoas que ficam… e os cigarros que vão

Esta semana encontrei uma amiga dos tempos de escola. Já não estava com ela seguramente há mais de 10 anos. Vi-a 2 ou 3 vezes mas não deu sequer para termos uma conversa. Éramos amigos à séria. Amigos e cúmplices. O tempo e a vida levaram-nos por caminhos diferentes. Ninguém fez mal a ninguém, não ficaram coisas por esclarecer nem temas por resolver. A vida é assim mesmo, ela foi por um lado eu por outro, em cidades diferentes, com dinâmicas distintas, pessoas novas e o tempo foi passando. Não deixei de pensar nela de quando em vez, de ter pena de nos termos afastado, de não a ter por perto, mesmo consciente que por vezes somos impotentes perante as circunstâncias e que pouco ou nada há a fazer, resta aceitar e pronto. Quando ela me disse que estava em Lisboa, não tive dúvidas em sair da festa de aniversário onde estava para a rever. Passámos a noite juntos, aqui e ali, rimos, dançamos, falámos. Parecia que não nos víamos desde o dia anterior, que não tinha passado tanto tempo. As mesmas brincadeiras, a cumplicidade de sempre, o perceber o que ela ia dizer mesmo antes de o dizer. Há pessoas que nos marcam de uma forma única, muitas vezes nem percebemos porquê. E não são anos que mudam isso. Passamos os nossos dias com pessoas que não nos dizem nada e depois há outras que não precisam de estar para nunca saírem de nós. E é maravilhoso de perceber que o tempo não passa entre gente que se entende com um simples olhar. Num mundo perfeito esses nunca sairiam do nosso alpendre mas o mundo não é perfeito. Resta-nos aceitar e fazer a nossa quota parte para um dia, mais cedo ou mais tarde, percebermos quais são as prioridades que nos guiam e que esforço devemos fazer para nos aproximarmos dos que nunca saíram de nós…

Na mesma semana em que reencontrei a minha amiga ficámos a saber que com a nova lei fumar um cigarro será cada vez mais difícil. Não ponho em causa o efeito nocivo que os cigarros têm em quem fuma e indiretamente para quem convive com quem fuma. Essa constatação em nada muda a minha visão liberal sobre esse e outros temas fraturantes. Continuo a achar que os espaços deviam ter o direito de decidir o que se pode ou não fazer dentro deles. Regra básica da propriedade privada. Assusta-me ver a forma cada vez mais presente do Estado decidir o que posso ou não fazer. Falamos de liberdades mas caminhamos a passos largos para um tempo em que somos sujeitos a todo o tipo de restrições com a desculpa do bem comum. De não se poder fumar em espaços fechados passamos rapidamente para não se poder fumar à porta dos espaços e a venda ser restringida de forma meramente aleatória. Pode-se vender tabaco nas tabacarias mas não se pode vender nos postos de combustível. Porquê? Se fumarmos da tabacaria faz menos mal? Ou é para todos ou não é para ninguém. Para além disso não gosto de generalizações. Nunca gostei. Habituámo-nos a chamar de droga um mero charro de erva da mesma forma que um saco de heroína e são coisas bem diferentes. Como, a julgar pelo que o meu corpo me diz, é bem diferente fumar um cigarro, de fumar tabaco aquecido sem combustão, sem alcatrão e com muito menos monóxido de carbono. Colocar tudo no mesmo pacote é só estúpido. Como é estúpido impedir as pessoas de fumar ao ar livre onde o ar se recicla de forma completamente diferente. A seguir vamos ao açúcar e depois aos enchidos na procura da vida eterna mas as pessoas um dia vão perceber que nem o mais saudável dos cidadãos vive eternamente. A história mostra-nos que não é assim que se alteram hábitos e que liberdade é uma coisa bem diferente.

Voltando às pessoas que ficam, muitas vezes teimamos em deixar na nossa vida gente que só nos desilude. Somos avisados por este e por aquele mas a nossa teimosia impele-nos a acreditar em realidades paralelas. Muitas vezes não queremos ver, não aceitamos, preferimos nem pensar. Mas essa é a magia dos aldrabões. Conseguem-nos convencer de coisas inacreditáveis. Mas há um momento em que a mentira se destapa e somos confrontados com a mais dura das verdades. Pelo caminho ficam tempos mal gastos e associações a pessoas que não prestam e que nos colam a posturas que não são as nossas. Resta-nos entender que todos nós somos feitos de erros e de escolhas muitas delas mal feitas. Há por aí muitos aldrabões, alguns bem colados à nossa sombra, que nos empatam, estragam objectivos e nos queimam a reputação. Quando nos apercebemos sentimo-nos uns verdadeiros palhaços. Ainda assim mais vale tarde do que nunca. A realidade é por vezes dura mas tranquilizadora. Todos nós estamos sujeitos a ser enganados, até por aqueles em quem mais confiamos. Quando as evidências são colocadas à nossa frente, resta-nos admitir que apostámos no cavalo errado e seguir fiéis aos nossos valores. Há os que passam e os que ficam.