Artigos

Um tiro pela culatra

Faz tempo, eram umas 9h, vinha a descer o Caminho da Igreja, no Estreito da Calheta, antes do cemitério. Apesar de rua para dois automóveis tem uma curva que só cabe um. Temos de circular devagar para a hipótese de vir alguém em sentido contrário. No meu caso parei. O ruído do motor que se aproximava sugeria e fiquei a aguardar que passasse.

O recauchutado que subia em alta velocidade, ao travar deixou um rasto de 12 metros (!) no chão e foi bater-me de frente. E eu parado. Fiquei siderado. O condutor que provocou o acidente deu-se, várias vezes, por culpado. Apesar de ser véspera de rali, das fatelas jantes alargadas, do barulhento trabalhar da pileca velha, típicos da excitação naquele período, achei estranho e chamei a PSP. Não o devia ter feito.

Com a chegada da autoridade tudo mudou. O polícia dirigiu-se ao infractor que, após esse momento de intimidade, deixou de se considerar culpado. A conversa privada influenciou e protegeu o transgressor. Nem o excesso de velocidade foi tido em conta. Medido o álcool, nada. Talvez fosse a excitação que contagia alguns “tontinhos” antes do rali. Aceleram a toda a hora, rebentam o escape e discutem pneus nos cafés.

À conta do relatório policial as seguradoras, convenientemente, repartiram responsabilidades.

Quem sai da igreja desce a pé por onde fiquei parado. Se em vez do carro fossem pessoas estaríamos a falar de atropelamento. Que, face à velocidade, poderia ser fatal. E, aí, já o relato do agente teria de ser diferente.

Enfim, saiu-me o tiro pela culatra. Os “Trabalhadores do Comércio” cantavam a velha música “Chamem a polícia”. Mas, por vezes, está visto, é melhor não chamar.