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Tempos de mudança

No meio de tanta auditoria, não foram estudados e avaliados os processos de contratação pública?

A política nos últimos tempos tem sido rica em acontecimentos. São demissões e novas nomeações no Governo da República. São investigações sobre corrupções.

São prisões preventivas. São acusações de favorecimento em contratos, em nomeações para cargos de confiança política de familiares e até de namorado. São reportagens sobre as riquezas pessoais que, inevitavelmente, criam comentários. São declarações polémicas. São renúncias de mandato. São fotografias tiradas em processos de investigação. São indemnizações atrás de indemnizações pagas à custa do erário público. São envelopes em dinheiro. São pastas. Enfim, chegamos a pensar em cada dia qual é a próxima novidade. E ninguém escapa.

Quem está em cargos públicos já deveria saber que a sua vida é sujeita a julgamentos em praça pública. Julgamentos de carácter, de vida pessoal e de trabalho realizado. Quem não quer estar sujeito a isto, não aceita ser candidato político. Há já alguns anos escrevi neste espaço a conversa com um tio que me disse que uma pessoa que fosse para a política e não enriquecesse em 3 anos não era um bom político.

Claro está que tendo estado 10 anos na política ativa, não soube fazer as coisas. Não me arrependo! Cada qual com a sua natureza de caráter.

O tempo é sempre um bom aliado.

A verdade sempre vem ao de cima e a lei do retorno é lixada. Tarda, mas não falha. Muitos esquecem-se que os cargos e títulos são temporários. As contas e dívidas são provisórias, mas como tratam as pessoas será lembrado para sempre. Talvez se se lembrassem destes ensinamentos, sobretudo do último, teriam mais cuidado de como tratam as pessoas.

Perceberiam muita dinâmica ocorrida na política regional.

Frequentemente, os adultos perdem o hábito de perguntar os porquês das coisas. Talvez se o fizessem mais vezes, conseguiriam ver para além do fumo e conseguiriam ter o discernimento claro das verdadeiras causas das coisas.

Por causa dos últimos acontecimentos, o que mais se ouve na rua é as pessoas afirmarem que são todos iguais. Precisamos ter cautela. Não generalizemos. Serão todos iguais numa família? Certamente que não.

Precisamos perceber que os que estão na execução de projetos nos governos e na gestão de cidades ou freguesias precisam gerir os dinheiros públicos e precisam decidir sobre as mais variadas questões. É para isso que os elegemos. Para gerirem o bem público. E os que estão na execução são sempre alvo de dúvida.

Pela sua proximidade com a população, os autarcas são os que mais são julgados em praça pública. Serão todos farinha do mesmo saco? Certamente que não.

Dúvidas existirão sempre. O que é preciso entender é que a gestão de dinheiros públicos tem de ser transparente. As contas têm de claras. Já deveria ter sido assim no passado. E para o futuro será cada vez mais normal quem gere o bem público ter de justificar as decisões tomadas e os dinheiros gastos.

As investigações que estão em curso por parte da polícia judiciária devem fazer-nos reconhecer que os tempos já mudaram. Seria bem pior se dúvidas existissem e nada acontecesse. Só o facto de existirem investigações é um alerta para todos os outros gestores dos bens públicos.

É preciso aguardar pelos resultados das investigações com serenidade. As investigações não podem ser rápidas demais, pois é preciso conseguir ver para além do fumo. Mas também não podem ser demasiado longas pelo desgaste que isso provoca na opinião pública e a criação da falsa sensação que o crime compensa.

Investigações desta natureza demasiado longas prejudicam o sistema democrático e provocam descrença junto da população que se afasta da política e das eleições, por considerarem que todos são iguais.

No meio destas notícias dei por mim a pensar no papel do Tribunal de Contas e nas suas auditorias às várias instituições públicas. Vários serviços governamentais, institutos públicos, câmaras municipais e juntas de freguesia são sujeitos a auditorias. No meio de tanta auditoria, não foram estudados e avaliados os processos de contratação pública? Não se analisaram os procedimentos internos de controle de despesas?

Nunca identificaram falhas? Nunca fizeram sugestões? E na eventualidade de terem feito alertas e sugestões de atuação, deixaram sempre, ano após ano, a existência das más práticas? Não houve consequências? Nas primeiras aulas de direito, aprende-se que uma medida legislativa para ser efetiva tem de prever coimas, multas ou penas a aplicar. Sem isto a lei é inócua e ineficaz. Afinal, para que servem as auditorias do Tribunal de Contas? Para produzir papel?

Sem dramas, devemos encarar estas investigações como fazendo parte de uma nova etapa da nossa democracia. O simples facto de existirem já terão um impacto positivo em todos os outros gestores públicos que passarão a ter mais cuidado na gestão dos bens públicos. Pensem nisto!