Peregrinando pelas rotas da Capadócia(3)

vasto, desde o Tuz Golu (lago de sal, seco que pisámos) e Aksaray a oeste; Cesareia da Capadócia, a leste, escoltada a sul pelo vulcão Erviyes (3916m), ao meio o rio Kizil Irmak. Em Othaisar (Goreme) o mosteiro cristão-museu da Capadócia em grutas escavadas na rocha e à volta os mil caprichos da natureza nesta região: tudo seduz e deixa pasmados os turistas curiosos, como a nós, a 25-27.07.22. Convidam à contemplação e ao êxtase figuras de trogloditas, chaminés de fadas e formas bizarras, por vales e colinas; cidades subterrâneas e capelas, mosteiros e centenas de grutas habitáveis. “Invadimos”, em Oskonak, de costas dobradas e torcidas, de penitentes peregrinos, parte de uma cidade subterrânea de há cerca de 10 mil anos antes de Cristo de povos pré-históricos e monges dos tempos romanos e bizantinos. O nome persa, Katpatoukia, diz terra de belos cavalos, com que também se pagavam impostos. Os Proto-Hititas começaram a escavar esses subterrâneos e fazer deles suas casas, abrigos, celeiros e adegas para se protegerem. Em tempos de salteadores. Trancavam as entradas rolando por dentro mós colossais. Não faltam salas, corredores, cozinhas, despensas, buracos de ventilação em todos os espaços até ao quinto ou oitavo piso por rampas e escadas até encontrar água. Espaços toscos, em rocha macia de arenite que vai endurecendo com a exposição ao ar. Os que nos aventurámos a descer repetíamos, de espanto: ah! Quem diria? E pensar que se descobriram até agora 36 destas cidades sendo nove visitáveis e se espera descobrir mais! Depois de um passeio sobre o sal seco do lago Golu e um almoço-buffet vale a pena atrever-se por alguns destes labirintos; e antes de visitar em Sultanhan um caravançarai (estalagem) da rota da seda entre a Europa e a China.

Mais que o voo de balão ao nascer do sol, o mosteiro convidou à meditação cristã. Parem a imaginação; este é diferente. São proibidas fotos (e guias) nas capelas escavadas pela encosta acima, o guia, à frente de fotos de placard, faz uma síntese monástica sobre o efémero da vida que prepara o além substancial e eterno a que os monges cristãos aspiravam. O martírio por Cristo, no Império romano, era passagem para esse além. Com a paz constantiniana cada monge de Santo Antão deixava tudo para, sozinho, nos desertos do alto Egito, se treinar em martírio de substituição, dizia o guia. Mas a sós, os monos (=monges) não partilhavam bem a sua vida segundo o Evangelho. Veio S. Pacómio e outra maneira de ser monge cenobita (koinobion, vida comumcom trabalho e arte dos ícones que levou alguns mosteiros a enriquecer. S. Basílio, irmão de Gregório de Niza, (grandes teólogos, nascidos em Cesareia da Capadócia), iniciou o monaquismo com oração, trabalho e partilha evangélica com os pobres, como S. Bento no Ocidente (ora et labora). O guia ainda associou a onda destrutiva iconoclasta a tentar debelar os perigos de idolatria e enriquecimento dos mosteiros. As capelas e espaços escavados na rocha deste mosteiro apresentam frescos milenares, em belas policromias bem conservadas da vida de Cristo e de santos. Aqui, gruta mais espaçosa, seria o refeitório, ali, sala de formação, aquela, a cozinha; nas capelas um altar tosco com um assento ao lado e dois na frente voltados para os assistentes sob cúpulas pintadas. Ao sair daqueles buracos e capelas com nomes deste e daquele santo, vinham-nos montes de questões: como viviam, que faziam, como se defendiam do frio e do calor? Estariam aqueles espaços cobertos de peles, tapetes, teriam algumas tábuas como móveis? É de pensar que nos tempos de S. Paulo alguns cristãos por ali se tenham protegido e pequenas comunidades cristãs se terão desenvolvido por aquelas encostas e vales, mesmo antes de serem habitadas pelos primeiros monges. Não esqueçamos que nesta região e à volta se situam inúmeras cidades citadas nas Cartas de S. Paulo, Atos e Apocalipse, mas isso daria para outra nota. Calculam alguns que só na Capadócia haveria mais de 400 capelas e mosteiros e que muitos frescos já datam do período pós-iconoclasta.

Dois dias deram para admirar cenários geo-históricos surpreendentes, à vista do vulcão Erviyes (3916m): cenas belas, fantasmagóricos por vales e colinas de bizarras figuras esculpidas pela erosão das rochas vulcânicas. Cones e colunas encabeçadas, chaminés de fadas, elefantes em marcha, reis magos, espigões peniformes, (Vale Vermelho da imaginação, alcunhado de “macho”), grutas escavadas, vazias ou habitadas em castelos de rocha estimulam a imaginação…Para aliviar o cansaço dos 35-40º com frescura visitam-se lojas e fábricas artesanais de bonita cerâmica, joelharia, tapetes, peles em que não falta publicidade e negócio; ou almoça-se em grutas e modernas estalagens-restaurantes de buffet simultâneo de centenas de turistas chegados em dezenas de autocarros. E volta-se à estrada a caminho dos Derviches de Konya (Icónio) e das termas de Pumakale, Hierapolis (Laodiceia e Colossae) para outro dia a pensar: se e quando as sementes cristãs vindas da Judeia há dois mil anos vão desabrochar, crescer e anunciar o seu Semeador; e a olhar os campos áridos e de restolhos de trigo, girassóis, amendoeiras, oliveiras e verdes pomares e hortas do sul por 2.600 quilómetros de auto estradas deste país, rota de toda a História?

Aires Gameiro