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Gato escondido com o rabo de fora

Os governantes ficarão muito satisfeitos com estes tapa-buracos e biscateiros do sistema educativo que disfarçarão um problema estrutural

Os nossos governantes são como os gatos: raramente conseguem esconder-se sem deixar o rabo de fora. No entanto, subsiste entre eles uma grande diferença: enquanto o rabo dos gatos é percetível à vista desarmada, o dos políticos só é percetível aos olhos da razão.

Vem este introito sobre as lições práticas para a vida dos humanos a partir da vida dos felinos a propósito do DL 53/2022, sobre a execução orçamental do Estado para 2022 e, mais precisamente, sobre a atualização das habilitações próprias para a docência. Muito se tem comentado esta matéria, quase sempre mais com o coração do que com a razão, já que, no essencial, pouco mudou. Na verdade, o alargamento da possibilidade de os possuidores de licenciaturas pós-Bolonha poderem dar aulas, não constitui uma revolução em termos de habilitações científicas para a docência, uma vez que, tal como já acontecia com os possuidores das licenciaturas pré-Bolonha, essa possibilidade se limita à última fase de preenchimento das vagas disponíveis, ou seja, às ofertas de escola. Assim, o acesso à carreira docente e, consequentemente, aos concursos de professores e de educadores continua a ser exclusivo de quem tem formação e habilitação profissional para a docência.

Onde está, então, o problema da alteração preconizada pelo DL 53/2022? Está precisamente no “gato escondido”. Efetivamente, o que o governo quis resolver de forma instantânea foi a crescente e preocupante falta de professores, sem resolver o essencial: a degradação da carreira docente e, por isso, o desinteresse das novas gerações por esta carreira. Com esta alteração, o governo permite que muitos milhares de licenciados possam disfarçar a falta de professores com habilitação específica para a docência, atraindo profissionais de outras áreas, que irão engrossar a falange dos precários nas escolas portuguesas.

Que não restem dúvidas, os professores que cheguem à docência por esta via ver-se-ão confrontados com uma situação profissional duplamente desvalorizada. Os governantes ficarão muito satisfeitos com estes tapa-buracos e biscateiros do sistema educativo que disfarçarão um problema estrutural, mas de que não quererão saber.

Haja, pois, coragem de reconhecer que o que é necessário é valorizar, verdadeiramente, a carreira docente, para que os professores e os educadores que já a abraçaram sintam que a sua dedicação vale a pena e para que os jovens voltem a equacionar dedicar-se a uma profissão, socialmente, fundamental.

Que os nossos governantes tenham a sapiência e a humildade dos sábios; que se deixem de demagogias e assumam o que sabem há muito: só com profissionais motivados será possível manter um sistema educativo de qualidade para todos.