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O silêncio dos (ir)responsáveis

As causas são as de sempre: a mão criminosa, o clima, os proprietários dos terrenos

1. O Serviço Nacional de Saúde está doente, enfermando de falta de meios, de falta de gestão/estratégia e de excesso de ideologia marxista-leninista.

Em sinal de protesto/alerta, mas também como forma de se defenderem de responsabilidades incontroláveis, milhares de enfermeiros e médicos têm vindo a apresentar escusas de responsabilidade, sinalizando que os erros e falhas que eventualmente possam vir a ocorrer poderão ser consequência do funcionamento anormal dos serviços, e não de culpa dos próprios.

Sempre atento, o Presidente da República, na sua qualidade de guardião de uma Constituição que foi violentada durante 2 anos, veio alertar “que, em regra, a lei não permite o uso das escusas de responsabilidade, e que, em política, quando se tem razão, é muito importante saber explicar aos portugueses a razão que se tem.”

Só não explicou que, se é verdade que o Estado não pode, em caso algum, escusar-se da responsabilidade pelo funcionamento anormal/deficiente dos serviços, os funcionários dos mesmos (ou seja, os enfermeiros e os médicos) só podem ser pessoalmente responsabilizados pelos danos causados aos utentes, caso actuem com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados, o que, obviamente, não sucede quando não disponham de meios adequados para exercer as suas funções.

Ou seja, o Presidente de República esqueceu-se de identificar/alertar os verdadeiros (ir)responsáveis.

2. O país está – literalmente e novamente – a arder há um mês e meio.

Dado que os Bombeiros e “os populares” não pediram (nem podem pedir) escusa, o combate às chamas lá vai sendo feito. Escusado será dizer que o Presidente da República se colocou ao lado do Governo, avisando que “os incêndios são um desafio de todos”, o que, na prática, equivale a dizer que não são responsabilidade de ninguém. Já o Primeiro-Ministro atribui a responsabilidade pelos incêndios a “um problema estrutural”, ao qual o mesmo – sendo novo nestas andanças da política – é, naturalmente, alheio.

Ou seja, as causas são as de sempre: a mão criminosa, o clima, os proprietários dos terrenos, os churrascos, o fogo de artifício, os cigarros fumados nos concertos e o buraco da camada do ozono.

Quanto aos restantes/reais (ir)responsáveis, designadamente os que são eleitos para evitar e combater incêndios, e porque, como diz o Presidente da República, as (ir)responsabilidades políticas são apuradas no fim, nem vê-los!!

3. Em Junho, Portugal foi o País da Europa com a mais alta taxa de excesso de mortalidade: mais 23,9% de óbitos face à média para o mesmo mês no período de 2016-2019. A média da União Europeia é de 6,2%.

Se, nos países com cultura cívica e democrática, o excesso de mortalidade tem vindo a ser associado ao confinamento e a algumas medidas de combate à pandemia, em Portugal, as – plausíveis – justificações que os (ir)responsáveis pela nossa saúde pública encontraram para este fenómeno oscilaram entre a vaga de calor registada em Julho (?), o envelhecimento da população e o consumo excessivo de bacalhau à brás.

Curiosamente, as centenas de especialistas, clínicos, matemáticos e tarólogos da pandemia, que não se abstiveram de entrar pelas nossas casas, bem como de manter a “pressão alta”, durante meses a fio, ainda não expressaram qualquer opinião definitiva/assertiva sobre o assunto. Estão, com certeza, a guardar-se para um contexto mais mediático/lucrativo…

Viva o culto do silêncio dos (ir)responsáveis!!