Crónicas

Cansaço

1. Disco: Não sou propriamente um grande apreciador de country. Gosto de algumas coisas mais experimentais. Claro, Johnny Cash. É impossível ficar indiferente àquela voz. A surpresa da passada semana são os Wilco, que abraçam o género com “Cruel Country”. As raízes country do colectivo sempre estiveram presentes no que produziram, mas com este último trabalho o abraço é enorme. Uma grande e muito agradável surpresa.

2. Livro: “Guerra! Para que Serve? – O Papel do Conflito na Civilização, dos Primatas aos Robôs”, de Ian Morris, é um livro imensamente provocador. Chega a ser irritante, pois, a partir de certa altura, passamos de provocados a quase crentes. De uma forma clara e metódica, o autor defende que a guerra tem uma enorme importância na evolução humana, no modo como proporciona desenvolvimento. Sei que isto dito assim pode chocar. Mas se aceitarem a sugestão de leitura, depois digam-me se faz, ou não, algum sentido.

3. Ando um pouco cansado. Não são as maleitas próprias da idade, nem o meu descontrole de peso — fantástica maneira de fugir ao facto de estar gordo (o avô da minha mulher chamava-me “Sr. Grosso”). Ando cansado de pensar. De pensar o que vejo, o que leio, o que ouço, o que acontece. Cansado de não ver um esforço que seja para que o futuro nos traga crescimento e riqueza.

Reina a boçalidade, o lugar-comum, o correr em frente para disfarçar o desconhecimento, a falta de vergonha na cara, o servilismo, a incompetência, a corrupção grande e pequena, a desconsideração. Vivemos numa sopa sem sabor, insonsa, a saber a azedo, pois o prazo já venceu há muito.

Temos um governo onde há mais do que as mães. Literalmente. Um governo que dá cobertor a quem tem com ele relações pessoais e/ou familiares; onde o cartão do partido é atestado de competência; onde se nomeiam assessores para tudo e mais alguma coisa, criando gabinetes que são verdadeiros monstros e que não servem para produzir absolutamente nada. Assessores disto, assessores para aquilo, técnicos especialistas, donos da chave da retrete, achistas profissionais pagos por todos nós.

Não tenho em mim um pingo de dúvida de que os culpados de tudo isto somos todos nós. Todos. Os que votam nestas soluções; os que exercem o direito de não ir votar pensando que isso os desresponsabiliza de tudo; os que, com todo o direito, exercem o voto de revolta em soluções que não se conseguem sequer entender; os que votam por votar sem procurar saber o que melhor os defende. “Os políticos são todos a mesma merda” (desculpem o vernáculo), é o que mais se ouve por aí. Até pode ser verdade. Mas não acham um pouco exagerado pensar assim, quando só se conhece a porcaria de uma cor? Bem sei que porcaria é porcaria, mas experimentar outra não custa nada, dado que é nela que temos de chafurdar.

Tudo o que escrevi acima aplica-se, obviamente, a mim. Exerço actividade política, sou líder regional de um partido e não sou melhor que ninguém. Procuro preparar-me para os diferentes assuntos que abordo, e gosto muito mais de pensar as soluções do que as “achar”. As soluções não estão escondidas debaixo de pedras, nem são tesouros do Capitão Kid. Resultam do estudo e da consulta a quem sabe. Na Madeira temos quadros que chegam e sobram, para ajudar nas soluções que, provincianamente e constantemente, se procuram, importando-as. Sou também responsável por não ter a competência de ajudar a ver que há alternativas.

Vivemos numa verdadeira ineptocracia. Assunto a que hei-de voltar com mais detalhe, mas adianto-me deixando o pensar de Jean d'Ormesson: “a ineptocracia é o sistema de governo onde os menos preparados para governar são eleitos pelos menos preparados para produzir, e onde os menos capazes de se auto-sustentar, são agraciados com bens e serviços pagos com os impostos e confiscos sobre o trabalho e riqueza de um número decrescente de produtores. Resumindo, os que nada sabem e pouco produzem, põe no poder os que pouco sabem e nada produzem, para que estes administrem as riquezas, os bens e os serviços confiscados daqueles que algo sabem e algo produzem."

4. Faz-me espécie que cada vez que se queira saber mais sobre um determinado assunto, o Governo Regional seja compelido a “encomendar um estudo”. Como me faz impressão haver Câmaras com contratos com escritórios de advogados, quando deviam, e têm, departamentos jurídicos. Quando falo em emagrecer o Estado, é não só no seu tamanho, mas também nos gastos desnecessários que pratica.

Estando sempre aberto à discussão e ao debate, um modelo parecido com o que vai abaixo, parecer-me-ia o mais adequado para a boa governança de um arquipélago com duas ilhas habitadas e cerca de 260 mil habitantes.

a) O Presidente do Governo teria direito a: um(a) Chefe de Gabinete, 2 secretários(as), 4 assessores (sendo 1 de imprensa), 2 motoristas. O Presidente acumularia a pasta do Turismo.

b) Cada Secretário teria direito a:

1 Chefe de gabinete, 1 secretário(a), 3 assessores, 2 motoristas.

c) Todos os Directores Regionais deverão, em sede de Comissão, ser ouvidos na ALRAM aquando da sua nomeação.

c) Um Gabinete único de assessoria de imprensa para todas as secretarias constituído por 4 assessores.

Secretarias:

— Turismo (em acumulação pelo Presidente do Governo);

— Ambiente, Agricultura e Mar;

— Equipamento e Obras Públicas;

— Saúde;

— Economia e Finanças;

— Educação, Ciência e Cultura;

— Assuntos Sociais.

Para ficar bem claro, e porque o que vai abaixo já é o que está legislado: consideram-se os cargos de Chefe de Gabinete, secretariado, assessoria, como cargos de confiança política. Assim, todos eles são transitórios e a termo certo, e como tal não criam nenhuma ligação para lá do termo da função, nem acontecerão concursos feitos à medida para que estas pessoas sejam enquadradas a vínculos futuros à função pública.

5. Na “Arte da Guerra”, Sun Tzu, escreveu: “quando cercar o inimigo, deixe uma saída por onde possa sair, caso contrário, ele lutará até a morte”. Isto não tem nada a ver com humilhação. Tem a ver com a possibilidade de se deixar o inimigo poder recuar, sem ter de resistir até ao fim, causando assim mais dano e morte. Ao contrário do que alguns defendem, Macron e outros que tal, o que o exército russo precisa mesmo é de ser humilhado, melhor: o que o exército russo precisa é de continuar a ser humilhado. Até as vitórias que teve até agora são pífias. Uma vitória que implique conquista não tem só a ver com espaço conquistado, tem também a ver com o que está por cima dele e com quem lá habita. Cumprir um critério em três não concretiza uma vitória. Só com a contínua humilhação dos militares russos é que estes podem olhar para trás e verificar quem é o principal responsável por isso. E o nome é o de quem os enviou para uma aventura de três dias, que ao fim de mais de três meses já causou milhares de mortos e feridos, destruiu imenso material militar e está longe de cumprir o que o plano inicial previa.

Putin e a sua clique falharam em tudo. São as cabeças de uma hidra de gangsters, de ladrões, de trafulhas, de mentirosos, um verdadeiro perigo para a humanidade. Não travar esta súcia de uma vez por todas é pedir que, de aqui a algum tempo, estejamos a passar exactamente pelo mesmo.

Não humilhar quem destrói tudo com sistematização: que destrói fábricas, escolas, hospitais, igrejas, museus, edifícios de administração civil, que arrasa aldeias inteiras não deixando pedra sobre pedra, prédios residenciais, que remete para baixo da terra milhares e milhares de pessoas que fogem de bombardeamentos sem sentido e em rolo, que provocou mais de 10 milhões de refugiados e deslocados? Deixando uma saída para os militares russos é uma coisa, não humilhar os militares e Putin é outra coisa completamente diferente. Que isto tem riscos? Claro que tem. Mas temos que os correr em nome do futuro e da paz.