Crónicas

Everlast (Para sempre)

“Everlast”. A tshirt da criança de olhar profundo e intenso que nos recebe na ilha de Canhabaque, mesmo gasta pelo sol intenso mas também pelo uso de quem vive com pouco ( mas com muito para contar ), não deixa esconder a verdadeira definição e o impacto que a minha recente viagem teve em todo o grupo. Para sempre. O magma da vida é para mim a fusão entre dois elementos fundamentais, as pessoas e os momentos. Quando estes se fundem, criam elementos mágicos a que habitualmente chamamos de perfeição. Para isso é importante que as pessoas estejam disponíveis para viver, para descobrir e sair da sua zona de conforto, de energias alinhadas e capacidade para criar momentos perfeitos. Foi precisamente isso que vos passo a relatar.

Esta semana a convite do Ministério do Turismo da Guiné-Bissau e da companhia aérea referência para as ilhas de língua portuguesa Euroatlantic, seguimos viagem para as idílicas ilhas Bijagós. Para quem não conhece, o arquipélago parte da Guiné Bissau, composto por 88 ilhas das quais pouco mais de 20 são habitadas, é um dos últimos paraísos praticamente virgens ao cimo da Terra. Caracterizado por uma biodiversidade há muito estudada pela sua riqueza, património da UNESCO, este santuário da vida animal continua praticamente intacto, com óbvios prejuízos para o desenvolvimento económico do país mas a quem a humanidade muito agradece, pela preservação ecológica de diversas espécies em extinção e contando com algumas verdadeiramente únicas como o hipopótamo “híbrido” que não se serve de um habitat exclusivamente composto por água doce mas que se banha no mar para se livrar das bactérias que se servem do corpo. Mas embora este animal seja o símbolo máximo da reserva natural de Orango, muitos outros inundam outros espaços e ilhas, desde aves às tartarugas de João Vieira, manatins e macacos que transmitem uma mística muito própria sobretudo pelos seus que emanam da selva ao cair da noite.

Começámos por Bubaque que é um género de porto principal de acesso ao restante arquipélago. Em plena praia de Bruce uma personagem mitológica de nome Adelino Dakosta emerge. Parece trazida pelos poderes ancestrais da Rainha Okinka Pampa tal é a força e o poder que a sua alma naturalmente assume. O espaço faz-nos lembrar um misto de Mad Max com um eco Lodge. Máscaras de guerreiros e estátuas tribais inundam um chão coberto de areia onde sobressai um ginásio mesmo em cima do mar, ou não fosse o seu criador um antigo campeão de boxe em Nova Iorque. Ali podemos meditar, agradecer à natureza por tudo o que nos dá mas também treinar intensamente sobre argila lamacenta que nos trabalha o corpo sem o sentirmos. Tudo parece retirado de um filme do Indiana Jones, à parte da alimentação que ao invés dos miolos de macaco nos traz os camarões tigre maiores que alguma vez vimos mas também saborosas e sumarentas frutas. Nada é feito ao acaso e os cocos frescos acompanham o grupo para que a hidratação não seja tema. Aqui pudemos assistir a um ritual antigo, “malgoçadura” conduzido por um chefe tribal e do qual pouco quero levantar o véu, porque há coisas que não se explicam, sentem-se…

Visitámos também a ilha sagrada de Canhabaque, protegida pelo destino ( dizem ) e onde tivemos a oportunidade de visitar uma comunidade ( Bini ) onde fomos recebidos ao som de música e dança sempre com as mulheres a controlar o ritmo. Sim, aqui a sociedade é matriarcal, são elas que assumem a posição dominante na família e na comunidade. Os olhares profundos acompanham-nos por toda a viagem. Dos mais velhos mas sobretudo nos mais novos, mas o que mais nos fascina e emociona é a forma como nos dão as mãos e nos conduzem através da selva densa como forma de proteção e carinho.

Seduzidos pela força e pela beleza dos locais, tão bem caracterizados nos livros de Tony Tcheka, seguimos para a ilha de Rubane onde nos instalámos em Ponta Anchaca, da francesa Solange. Um local já mais próximo dos padrões internacionais, onde o conforto e a magia dos planos se entrelaça com a simpatia das gentes. Espaçosos bungalows de madeira em cima da areia e uma piscina que quase se confunde com o mar. Grandes passeios na praia e jantares ao som das pequenas ondas que vão batendo por baixo.

Tivemos ainda a oportunidade de conhecer um pequeno segredo escondido no mar. Angurman, um pequeno ilhéu, habitado por 7 pessoas das quais uma criança e dois cães que nos serviram de guarda costas durante toda a estadia. Banhámo-nos numa pequena língua de areia rodeada de água, onde apenas o essencial invade a beleza natural, uns simples chapéus de palha que nos protegem do sol intenso que nos dá uma sensação de mais 5 graus relativamente aos 36/37 reais. A água não é fria nem é quente, parece ter sido meticulosamente trabalhada num laboratório para estar à temperatura ideal. Mas não. Aqui tudo é fruto da mãe natureza e do poder sagrado de um destino ainda por explorar.

Foi uma viagem intensa, algumas vezes desafiante pelos quilómetros que percorremos mas sempre apaixonante. A energia que nos foi transmitida, demos de volta. Foi um grupo que se formou com o objectivo de promover um destino seguro tantas vezes injustiçado por querelas políticas mas que é composto por pessoas de bem, humildes e generosas. O grupo de trabalho transformou-se num grupo de amigos que ficará ( julgo eu ) para sempre. Everlasting. O poder duradouro dos sentidos que nos invadiu a mente e que nos cobriu de espiritualidade e de magia. Saímos mais ricos. Se Fernando Pessoa disse um dia que “para seres grande tens que ser inteiro” permitam-me a ousadia de acrescentar, para ser inteiro há que passar por África e se possível pelo arquipélago das Bijagós. Virão de lá diferentes, para melhor. Se a vida são os momentos e as pessoas, se a vida é a natureza e os seus compostos, então tudo começa aqui. Tudo tem ku bali!

P.S. Um agradecimento à João, Margarida, Madalena, Maya, Vitor e Pestana. Tornaram a viagem ainda mais especial!