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Irmãos ou dementes?

O desprezo pelo Outro, nestes e noutros tempos, fazem-me temer a assunção dos direitos de todos e de cada um

Saber para onde vamos significa compreender os princípios e os fins daqueles que, connosco, fundam os alicerces da existência: a paz, a justiça e o sentido. Nenhum destes fundamentos se ganha e se vive com divisas, marcas ou propaganda. Ainda menos com subterfúgios pueris ou com o desespero da desilusão. Não sei se nascemos ou se nos tornamos preguiçosos, vaidosos e egocêntricos, mas até para isso precisamos da comunidade. Narcisistas, ignorantes ou inteligentes somos produtos de uma sociedade marcadamente ligada ao fácil, ao descartável e ao exibicionismo. Até o mais franco gesto de humildade é, não raras vezes, aquele que aguarda pelo flash dos media ou por uma rede social qualquer que lhe dê um aceno de visibilidade. Mas há outros, mais dissimulados, que recusam toda esta sociedade espetáculo e se fecham numa lógica de eremita intelectual que pensa, exclusivamente, sobre a sua ainda posição fetal. Nada existe para além do seu próprio umbigo.

Para onde vamos? Que combates temos pela frente? Que homens e mulheres temos como soldados capazes de passar por provações não apenas sociais, de grupo, mas individuais, suas e íntimas? Quem é que está disponível para fazer diferente? Ou, de pelo menos, combater a miséria que requer uma ação solidária e esclarecida. O desprezo pelo Outro, nestes e noutros tempos, fazem-me temer a assunção dos direitos de todos e de cada um. O direito a ser gente e a viver como homens. Usa-se, na contemporaneidade a arma mais simples e barata: o esquecimento do Outro. Haverá pior doença que esta? Haverá maior cegueira que esta? Que papel tem a educação neste combate à indiferença e à letargia da ação? Que transtorno emocional nos turvou a alma? “Ou vivemos juntos como irmãos ou seremos forçados a viver como dementes.” (King. M L., 1968, pp. 585-586).

Educação não exclusivamente como escolarização, mas forçosamente como questionamento sobre o que nos é imposto. Educação como intervenção, fraternidade e, porque não, bondade. Educação como investigação. Como cidadania ativa que mobiliza para o empoderamento das comunidades. Das suas comunidades. Educação como desenvolvimento comunitário. Educação que parte de cada um para o todo. Como participação que, sendo necessária, pode não ser suficiente.

O apelo à participação não significa que haja mais sensatez social e mais igualdade entre indivíduos e grupos, ou até mesmo comunidades. Na verdade, estou a me referir, em última análise, ao papel que o Estado deve ter na promoção da intervenção comunitária e da convivência saudável e diversa, como irmãos de uma Nação e de um Mundo, sem que isso seja mostrado numa lógica top down.

A cidadania ativa passa, forçosamente, pelo empoderamento da comunidade como possibilidade de renovação. Sem ela não há mudança. Nem à esquerda, nem à direita, o que não significa que se esteja no centro. Seja como for, ou vivemos como irmãos ou estamos condenados à demência.