Crónicas

Taxar o Cuidado

Na Região, continua-se a taxar o cuidado de quem não é vacinado e quer visitar um ente querido

Em finais de fevereiro de 2022, o Governo de Boris Johnson determinou que as pessoas que visitassem os seus familiares nos lares teriam de passar a pagar os testes à covid-19, se quisessem visitar os seus entes queridos. Esta decisão do Governo britânico, de excluir visitantes de lares do acesso a testes covid gratuitos, foi muito criticada por várias associações ligadas ao cuidado das pessoas idosas e também pela oposição. O líder dos Democratas Liberais, Ed Davey, defendeu que era simplesmente injusto forçar as pessoas a pagar centenas de libras por ano a fim de poderem visitar, em segurança, os seus parentes, havendo o risco de os tornar ainda mais solitários e vulneráveis. Terminou dizendo: «Temos de impedir esta taxa ao cuidado».

Ora, foi exatamente isto que discutimos na semana passada na Assembleia Legislativa Regional, com uma proposta do PS-Madeira para mudar duas medidas de combate à COVID-19 que estão atualmente em vigor na Região: as regras de acesso aos lares para pessoas idosas, ao Lar Residencial do Centro de Inclusão Social da Madeira e à rede de cuidados continuados integrados, e o critério de apenas acederem à testagem gratuita pessoas com, pelo menos, 38ºC de febre.

Vamos à primeira proposta de alteração:

O PS propôs que seja obrigatória a apresentação de teste pelas pessoas que pretendam aceder aos lares e estabelecimentos da rede de cuidados integrados, independentemente do esquema vacinal de quem visita (agora a testagem só é obrigatória para quem não fez a vacina), porque as evidências dizem-nos que o facto de termos o esquema vacinal completo não significa que não se possa ser portador do vírus e transmiti-lo a outra pessoa. Por essa razão, o PS considera importante ter especial cuidado com as pessoas mais vulneráveis, como é o caso das pessoas idosas que estão em lares ou as pessoas que estão na rede de estabelecimentos de cuidados integrados, pessoas particularmente fragilizadas e que, por isso, exigem maiores e especiais cuidados. Como tal, e sendo a apresentação de teste obrigatória, a proposta previa que a testagem das pessoas que visitam os seus entes queridos nestas unidades fosse gratuita.

Atualmente, as pessoas que não estão vacinadas, para poderem visitar um familiar ou amigo num lar ou numa unidade da rede de cuidados integrados, precisa de fazer teste – e pagá-lo. Para o PS, a testagem devia ser gratuita na medida em que a exigência de teste pago por quem visita interfere com os direitos das pessoas que residem ou estão transitoriamente internadas nestas unidades, privando-as da visita dos seus entes mais queridos, nomeadamente nos casos em que há maiores dificuldades financeiras.

A proposta também pretendia mudar os critérios para a admissão de teste gratuito à população em geral. Atualmente, o único critério admitido é a existência de febre, isto é, 38ºC. Ora, há inúmeros casos de pessoas que têm testado positivo e apresentam outros sintomas associados que não o estado febril – ou porque esse não é um sintoma (têm outros, como faringites, tosse, problemas intestinais, dores de cabeça muito intensas, entre outros) ou porque, entretanto, tomaram um antipirético.

Assim, recomendava-se que o Governo Regional:

1) Determinasse a obrigatoriedade de apresentação de teste por quem pretende visitar um/a utente da rede de lares ou de unidades de cuidados continuados integrados da RAM – e assegurasse a gratuitidade do teste, garantindo dessa forma o direito de visita às pessoas que estão internadas nessas unidades, contribuindo dessa forma para o seu bem-estar e saúde mental.

2) Assegurasse a gratuitidade dos testes de despiste à Covid-19 a quem apresente autoteste positivo acompanhado de outros sintomas relevantes.

Com esta proposta pretendia-se critérios mais justos para a testagem e a salvaguarda, antes de mais, da saúde das pessoas mais frágeis, bem como o seu direito ao bem-estar e à possibilidade de estarem com os seus sem correrem riscos desnecessários.

Foi recusada pela maioria PSD/CDS, que alegou que se estaria a descredibilizar o processo de vacinação. O que não é verdade. É uma evidência científica o facto de a vacinação reduzir muito a gravidade da infeção; no entanto, também está provado que não evita a infeção, pelo que é necessário a adoção de medidas adicionais que garantam a segurança das pessoas mais fragilizadas. Foi exatamente isto o que o PSD/CDS não quis fazer, apesar de a realidade demonstrar que a Covid-19 está longe de estar controlada e apesar da proposta do PS ser justa e necessária, na medida em que corrigiria as lacunas nas medidas adotadas pelo Governo.

Portanto, atualmente, na Região, continua-se a taxar o cuidado de quem não é vacinado e quer visitar um ente querido, continua-se a permitir visitas sem testagem a quem está vacinado e continua-se a fingir que os únicos sintomas da doença são a febre alta. E por isso, perante o número de mortes que continuamos a registar (em março registaram-se 37 mortes associadas à Covid e no dia em que escrevo há notícia de sete mortes num só dia) o Presidente do Governo Regional e o Secretário Regional da Saúde têm dito que essas mortes não são exatamente porque as pessoas tinham Covid-19 mas porque tinham outras doenças associadas. Ora, quem está nos lares e nas unidades de cuidados integrados são pessoas que têm, na maioria dos casos, outras doenças associadas. No entanto, a pergunta que ainda não ouvi ser feita ao Sr. Presidente e ao Sr. Secretário da Saúde quando dizem estas coisas aos vários microfones que lhe aparecem à frente é esta: as pessoas que têm morrido, teriam falecido agora se não tivessem apanhado Covid-19?