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Lei de impedimentos dos juízes traz "gravíssimos constrangimentos"

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A entrada em vigor da nova lei de impedimentos dos juízes e de outras alterações da Estratégia Nacional Anticorrupção vai criar "gravíssimos constrangimentos" e prejudicar a eficácia dos tribunais, denunciou ontem o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

No discurso na tomada de posse do juiz desembargador Jorge Loureiro como novo presidente da Relação de Coimbra, Henrique Araújo considerou que a aprovação do pacote anticorrupção e das alterações no Código Penal (CP), no Código de Processo Penal (CPP) e noutras leis conexas pela Assembleia da República veio agravar a celeridade da justiça, lembrando as críticas feitas ao "excesso de garantias de natureza processual" no sistema português.

"Referi, entre outras coisas, que o nosso sistema albergava um excessivo conjunto de garantias que prejudicava a celeridade processual, designadamente nos chamados megaprocessos criminais. Houve quem logo compreendesse as minhas palavras. Mas também houve quem não as quisesse compreender", afirmou, notando que essas garantias "enredam a tramitação e favorecem o prolongamento da vida do processo".

Sem esquecer as reservas então levantadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) - órgão que preside por inerência da liderança no STJ -, Henrique Araújo partiu do regime de impedimentos para criticar algumas das mudanças, cuja entrada em vigor está marcada para segunda-feira. Além de entender que as mudanças não são necessárias "para salvaguardar a imparcialidade do julgador", o juiz conselheiro perspetivou "entorpecimentos constantes".

"A exagerada amplitude desse regime implica, por exemplo, que o juiz que, em fase de inquérito, declare bens perdidos a favor do Estado, ou que admita a constituição como assistente, ou que autorize a efetivação de uma perícia, ou, ainda, que aplique uma medida de coação de apresentação periódica, fica de imediato impedido de intervir no julgamento. O mesmo sucede com o juiz que proceda à inquirição de uma testemunha em fase de instrução, que autorize a realização de uma busca domiciliária ou autorize uma interceção telefónica".

Henrique Araújo criticou ainda a possibilidade de passar a apresentar recurso para o Supremo de casos em que haja uma primeira condenação em sede da Relação e não apenas nos casos de reversão de absolvição em condenação em pena de prisão efetiva, bem como a revogação do artigo do CPP que fixava o número máximo de testemunhas do arguido.

"Tem como resultado que passa a não existir qualquer limite. Não é difícil prever o que aí vem", disse o líder do STJ, que frisou que as mudanças "representam sério revés no propósito de se conseguirem respostas mais rápidas e eficazes do sistema de justiça na área criminal".

Sublinhando que as consequências negativas serão sentidas rapidamente e que a responsabilidade irá recair nos magistrados e nos tribunais, Henrique Araújo apelou aos responsáveis políticos pela revisão de algumas destas medidas.

"Apesar de ainda não terem entrado em vigor as alterações contidas na Lei 94/2021, é, portanto, urgentíssimo repensá-las. Se nada se fizer, no imediato, o preço da fatura será muito elevado", finalizou.