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Brasileiros percorrem milhares de quilómetros para ver Lula "sem medo de ser feliz"

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Brasileiros, de norte a sul do país, de avião, de carro, ou de autocarro, começam a chegar a Brasília para a tomada de posse de Lula da Silva, esperando um Presidente "sem medo de ser feliz".

Ricardo, Ravina e Gabriel, todos com mais de 50 anos, fazem parte de um grupo de 20 amigos da cidade de Diamantina, do estado de Minas Gerais, e percorreram mais de 700 quilómetros de autocarro para estarem perto de Luiz Inácio Lula da Silva.

"Por Lula, fazemos tudo", conta à Lusa Ravina, vestida a rigor com uma 't-shirt' vermelha, da cor do Partido dos Trabalhadores, o PT de Lula, e com a frase estampada: "perdeu Mané, não amola".

A citação tornou-se famosa entre os apoiantes de Lula, depois de ter sido dita por um juiz do Supremo Tribunal Federal (SFT) a um apoiante do Presidente brasileiro cessante, Jair Bolsonaro, inconformado com a derrota nas eleições de 30 de outubro.

Sentado ao lado de Ravina, Ricardo olha atentamente para o telemóvel, enquanto come uma feijoada na "Tia Zélia", restaurante que se tornou um bastião da esquerda em Brasília, para não perder o momento em que o voo de Jair Bolsonaro descola para os Estados Unidos.

A espera termina quando o voo de Bolsonaro partiu, às 14:02 de sexta-feira em Brasília, rumo ao 'resort' em Palm Beach, propriedade do ex-Presidente dos EUA Donald Trump.

"Está na hora no Jair, Já ir embora", canta-se na mesa dos mineiros, uma música que se tornou famosa durante a campanha eleitoral e que chegou ao topo das músicas mais ouvidas na plataforma de música 'online' Spotify.

Música improvisada, ao som de "Lula lá", "eu já escuto os teus sinais", entre outras, com os instrumentos mais à mão, dança, sorrisos nos rostos, feijoada, cerveja, bandeiras e 't-shirts' vermelhas inundaram a esplanada do restaurante da Tia Zélia, na sexta-feira, a dois dias da tomada de posse de Lula da Silva.

Gabi, de 23 anos, veio para Brasília, do Rio de Janeiro, já há dois meses, para vender adereços de Lula da Silva, desde sacos, 't-shirts' e bandeiras e para "sentir o momento".

"Para uma mulher negra da periferia, este é um momento muito importante", diz à Lusa, acrescentando que se sente muito emocionada com o regresso de Lula da Silva ao poder 12 anos depois, mas, principalmente, com a saída de Jair Bolsonaro: "Um fascista racista", desabafa.

Uns metros à frente, um grupo de pernambucanos da cidade de Recife conta ter chegado na sexta-feira de manhã a Brasília, depois de mais de dois mil quilómetros de estrada.

Orgulhoso, Clóvis Espíndola, de 53 anos, diz que a maioria das pessoas, presente no "Tia Zélia", veio do Nordeste.

"O Nordeste salvou o país", afirma, e com razão: Lula conquistou 69,34% dos votos válidos e foi a única região onde o candidato do PT registou mais votos que Bolsonaro, numa eleição decidida por pouco mais de dois milhões de votos, a mais equilibrada da história do gigante lusófono, com mais de 220 milhões de habitantes.

Na mesa do lado, uma mesa corrida de mais de 10 metros encontrava-se um grupo de pessoas da cidade de Curitiba, no sul do país. Nesta cidade aconteceu o oposto do Nordeste: Jair Bolsonaro foi o candidato vencedor, com 64,78% dos votos.

Uma das integrantes do grupo curitibano, ao atravessar a esplanada, brinca que depois deste grupo viajar para Brasília, só ficaram bolsonaristas em Curitiba.

Já dentro do restaurante, a proprietária, atarefada mas sempre disposta a abraçar e a trocar dois dedos de conversa com quem queria tirar fotografias.

"Vou de convidada para a posse", diz à Lusa, com um sorriso de orelha a orelha.

A explicação para o convite de Lula à Tia Zélia é simples: "Das mãos de Tia Zélia saíram os melhores almoços que Lula já comeu. Cozinheira favorita do presidente, hoje Tia Zélia preparou um almoço em homenagem a Lula e à resistência contra a sua prisão no acampamento Lula Livre, em Curitiba", escreveu, na rede social Twitter, Lula da Silva, em 18 de abril de 2018, 11 dias depois de ter sido preso no âmbito da operação Lava Jato.

O restaurante é um autêntico 'santuário' de Lula. Em entrevista à Lusa, em setembro, a Tia Zélia contou que conheceu o então Presidente Lula da Silva em 2008, numa feira internacional na capital brasileira.

Lula engraçou com a Tia Zélia e acabou por convidá-la para o Palácio do Planalto. Ficaram os dois sozinhos no gabinete presidencial e a dada altura Lula pergunta-lhe sobre as dificuldades que a baiana, mãe solteira de cinco filhos, vive.

O Presidente brasileiro ajudou-a a registar o seu restaurante e teve depois um papel fundamental em fazer chegar água e luz a Buritirama, um município do estado da Baía, localizado na região do vale do rio São Francisco, de onde a Tia Zélia é originária e onde moravam os filhos.

"Água e luz para o meu povo do Nordeste foi o que Lula nos deu", garante.

A partir daí, Lula "começou a pegar comida comigo e ele gostou". "Nós hoje somos amigos", conta, orgulhosa.