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Bruxas e feminismo

Estamos numa época de transição. As temperaturas descem, as horas de luz diminuem e o clima fica instável. Faz parte do ciclo natural. Ainda assim, a escuridão não pode dar lugar ao obscurantismo. Inspirada no pão-por-Deus e Halloween, escolhi falar sobre bruxas.

Elas eram mulheres. Não figuras distorcidas como as que se encontram nos livros infanto-juvenis. Eram parteiras, curandeiras, terapeutas que conheciam as plantas medicinais e as utilizavam para curar doenças, entre outras artes da cura. As “médicas”, que trabalhavam nas comunidades mais pobres. Bebiam o seu conhecimento de outras mulheres, e passavam às amigas, filhas e demais mulheres interessadas. Constituíram uma ameaça ao patriarcado, e foram perseguidas pela Santa Inquisição, um tribunal da Igreja Católica criado para punir os hereges. Entre 1450 e 1750, muitos milhares de mulheres foram perseguidas, julgadas, torturadas e mortas, sendo a sentença mais conhecida arder na fogueira. E quais os motivos? Por conquistarem liberdades, por quebrarem normas sociais vigentes, por se atreverem a sair da caixa. Uma terrível ameaça. As feministas da altura.

Muitos séculos passaram, e ainda assim prevalecem preconceitos sobre as feministas. Comecemos por um clássico. “As feministas como vocês são contra os homens.” Não é verdade. Eu, pessoalmente, cresci com pessoas de ambos os sexos. Tenho, e tive, figuras masculinas de referência na minha vida. Tal como figuras femininas. Logo, eu adoro pessoas por aquilo que são e representam, sem distinção de sexo.

“As feministas acham que as mulheres são superiores aos homens.” Eis a principal confusão. O feminismo defende a igualdade de direitos e de oportunidades para mulheres e homens, para todas as pessoas. O feminismo defende os direitos humanos. Mulheres e homens devem estar juntos nesta caminhada. Simples assim, para quê complicar?

“Os homens não podem ser feministas. Isso é coisa de mulheres.” Ah, podem, podem, e conheço muitos que o são. Partilho a vida com um e fui educada por outro. Se respeitam as mulheres, se defendem que não devem ser discriminadas pelo seu sexo ou género, se as apoiam, são feministas. E há mulheres que não são feministas, e defendem a superioridade masculina. Conheço várias.

“As feministas são esquerdistas.” E eis que se tenta misturar água com azeite. Conheço feministas de todos os quadrantes políticos, e de nenhum. Conheço, também, muitos esquerdistas que são contra o feminismo. Logo, esta causa não tem (nem deveria ter) partido.

“Não há necessidade de falarmos nestas coisas.” Esta afirmação demonstra falta de empatia. Basta se informar sobre as muitas desigualdades que ainda persistem.

Olhando para a história, percebemos que nada é estanque e tudo pode mudar rapidamente. Ainda assim, as descendentes das “bruxas” continuam atentas, e vão lutando pelos seus direitos humanos, em todo o mundo, mesmo quando as probabilidades estão contra elas. A magia acontece quando ajudamos a que mulheres quebrem ciclos de violência, reconheçam o seu valor, gostem de si e possam ser elas mesmas. Lado a lado com as suas pessoas, homens e mulheres.