Crónicas

Moderato cantabile

Precisamos, com urgência, de moderação. É por ela que conseguiremos mais e melhor democracia

1. Disco: é uma das minhas bandas favoritas. Saiu “Delta Kream”, dos The Black Keys, uma viagem até ao mais profundo que se pode ir nos blues-rock. Um álbum carregado do que os influenciou: R. L. Burnside e Junior Kimbrough, de quem recriam inúmeras músicas neste trabalho. Não vai ser um disco para encher as medidas a quem os ouve de passagem, mas para aqueles, como eu, que lhes apreciam a vertente mais “retro” é, sem dúvida, para ouvir muito.

2. Livro: ao longo dos anos tenho lido alguns livros sobre ditadores. De Hitler a Mussolini, de Salazar a Franco, de Estaline a Mao. Leituras que me servem para não esquecer. Abomino totalitarismos, venham eles de onde vierem. Amo a liberdade e a democracia. Em “Filhos de Estaline”, Owen Matthews conta-nos a história da sua família e da influência que o seu curso teve, devido ao estalinismo. A perseguição e a purga sofridas pelo seu avô; a dificuldade que os seus pais tiveram para se juntarem; o tempo que Matthews viveu como correspondente em Moscovo em plena guerra-fria, são os cenários deste excelente livro.

3. Num tempo em que imperam os radicalismos, falar de moderação é um pouco como estar a pregar aos peixes. No entanto, é disso que precisamos. O confronto à radicalização é um dos maiores combates políticos do nosso tempo.

Não é tarefa fácil a que procura conciliar pontos de vista diferentes, quando cada um dos lados tem os seus argumentos e a barricada está montada de maneira a manter o consenso afastado. É um dos maiores perigos que a democracia enfrenta.

A excessiva partidarização da política, muito mais apoiada em interesses de grupo do que em preceitos ideológicos, representa uma ameaça para a democracia pois alimenta o extremar de posições e a intolerância, e impossibilita o diálogo.

Precisamos, com urgência, de moderação. É por ela que conseguiremos mais e melhor democracia. Só ela nos permite o exercício da liberdade, da capacidade de escolher.

Sem moderação nunca conseguiremos o entendimento tão necessário para discutir temas como a saúde, a educação, a autonomia porque necessitam, para se reformarem, de muito mais do que os quatro anos dos ciclos eleitorais.

Diferentes pontos de vista deveriam enriquecer o debate e não torna-lo num diálogo de surdos. No entanto, tudo serve como arma de arremesso. Das disparidades económicas ao desemprego, dos apoios sociais às reformas, da tecnologia à cultura, tudo se presta para intensificar as diferenças e o desacordo.

Os factos já não valem por aquilo que são, pois prestam-se a leituras enviesadas que defendam o ponto de vista de cada um. O conhecimento vale pela perspectiva com que para ele se olha, o que impede que se tenham discussões razoáveis e se resolvam as tensões. E, lá atrás, as redes sociais a fomentar o extremismo e a incapacidade de diálogo.

A moderação, ou a política do meio se assim preferirem, não é uma manifestação de fraqueza. É, isso sim, uma manifestação de virtude moral. Ser moderado, nos dias que correm, é assim como uma espécie em vias de extinção a precisar de protecção. Edmund Burke dizia que a moderação era um valor cada vez mais difícil de encontrar nas pessoas, uma virtude própria de quem pensa com nobreza e coragem.

Na história do pensamento político e filosófico, a moderação é frequentemente vista como uma das maiores virtudes. Em oposição ao excesso de indulgência e ao extremismo, o equilíbrio e a harmonia são valores pelos quais vale a pena lutar. Em tempos de polarização flagrante, a maneira como analisamos a política e o mundo que nos rodeia, obriga ao diálogo que procure o consenso, de modo a sustentar a estabilidade do sistema democrático e o caminho do desenvolvimento.

A discussão radicalizada, a falta de troca de argumentos cedendo aqui e ali para proporcionar acordo, foi o que nos trouxe aqui. É o não procurar do equilíbrio que nos leva ao tecnocratismo e à governança das elites, e não o contrário.

Não se entenda, com o que vai acima, um qualquer tipo de definição que permita pensar que ser moderado é não ser dotado de firmeza no que se defende. O equívoco a que alguns querem compelir sobre o ser moderado, induzindo a pensar que quem o é não passa de um qualquer oportunista que procura colocar-se no meio de duas forças opostas obtendo assim dividendos, não pode colher. Nem é moderação o “dividir ao meio”, metade para um lado e metade para o outro.

A resposta ao retorno à moderação, está debaixo do nosso nariz. É nela que vivemos. A divisão de poderes (legislativo, executivo e judicial), os “check and balances”, a possibilidade de escolher votando, tudo feito em liberdade e com responsabilidade, são as bases do nosso sistema: a “democracia liberal”. Chegámos aqui pela moderação e pelo consenso.

Ser moderado, não tem nada a ver com indecisão. Bem pelo contrário. Ser moderado, é considerar várias e diferentes perspectivas, tendo como objectivo alcançar soluções pragmáticas para diferentes problemas. Informação e conhecimento terão de ser as duas ferramentas fundamentais, na procura de atingir soluções comummente aceites.

A moderação é o caminho para a solução e o radicalismo a via para os problemas.

4. Porque gosto de moderação, não suporto dicotomias. Preto/branco, bom/mau, doce/salgado, amigo/inimigo, esquerda/direita. São tudo conceitos úteis para quem não consegue ver a cor e a diferença, a importante “nuance” que dá sabor às coisas. Tenho pena de quem assim vê um mundo tão descolorido.

5. Nota para mim: tenho a impressão de que a esmagadora maioria das candidaturas autárquicas ainda não percebeu uma coisa, ou pelo menos a tem trabalhado mal, e nisto penalizo-me: o mais importante e garante de bons resultados nas próximas eleições, é conseguir fazer com que o eleitorado que não sai de casa para votar, o faça.

Quem cumpriu até agora o seu dever cívico votando, são aqueles cujo voto está cristalizado. O que é preciso é convencer os desiludidos, os que estão fartos, os descrentes, os cansados. Trazer-lhes a esperança de algo de novo e que se consubstancie em políticas de governação exequível.

A não ser assim, fiquemos todos calmamente à espera da “crónica de uma vitória anunciada”.

6. Ora cá vai, de novo, para não cair no esquecimento:

Está toda a gente sossegada com a ópera bufa sobre o empréstimo que Rui Barreto “y sus muchachos” arranjou para ajudar a pagar a campanha ao CDS nas últimas regionais? E a não declaração, do mesmo, ao Tribunal Constitucional?

E uma lista com o nome de todas as empresas que beneficiaram de apoios do Governo Regional, por causa da pandemia, para que fique claro quem recebeu o quê?

E os números da saúde? Quantas consultas foram adiadas? Quantos exames foram adiados? Quantas cirurgias foram adiadas? De que tem medo o SESARAM que as não divulga?

E o estudo do custo/benefício das obras de prolongamento da Pontinha?

E daquelas mais antigas, como os monos em que se transformaram o Penedo do Sono, o kartódromo e o estádio de desportos de praia no Porto Santo? Vai ficar tudo ali assim, como está?

Para a semana há mais.

7. “Se um país tiver uma constituição ou leis que especifiquem um governo democrático, mas os habitantes desse país não quiserem, ou não puderem votar, tal nação não merece ser chamada democracia” – Jared Diamond