Coronavírus Mundo

Um ano da pandemia que surpreendeu o mundo

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A pandemia de covid-19 surpreendeu o mundo, a começar pelo país onde teve origem, a China, passando pela Europa ou Portugal, que minimizaram a doença no início, mostram as notícias de há um ano.

A primeira notícia sobre a doença, que não era ainda sequer atribuída a um coronavírus, surgiu em 31 de dezembro de 2019, quando as autoridades sanitárias de Wuhan, capital da província central chinesa de Hubei, anunciaram ter registo de pelo menos 27 casos de uma pneumonia viral na cidade.

Portugal viria a ter os primeiros dois casos em território nacional faz na terça-feira um ano e desde então sofreu três vagas da pandemia da doença covid-19, provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que provocaram mais de 800.000 infeções, das quais mais de 16.000 levaram à morte dos doentes.

Números que nem parecem relacionados com a pequena notícia do último dia do ano de 2019, quando a agência oficial chinesa, citando a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan, informava apenas que os pacientes, incluindo sete em estado considerado grave, apresentavam sintomas como febre e dificuldade em respirar, tendo sido colocados em quarentena.

As autoridades indicavam que todos os casos estavam relacionados com um mercado de marisco, não havendo qualquer sinal de contágio humano.

A informação não foi tida como relevante na Europa e do oriente só chegaram, nos primeiros dias de janeiro de 2020, notícias de que Macau tinha elevado o nível de alerta e reforçado o controlo de temperatura dos passageiros de voos provenientes de Wuhan.

Mas em 05 de janeiro já havia informações sobre 15 casos em Hong Kong relacionados com a pneumonia viral de Wuhan, onde o número de doentes passara de 27 para 59, com todas as análises a dar negativo para gripes ou outras doenças respiratórias comuns.

Por essa altura, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciava que estava a monitorizar a situação, mas dizia não haver necessidade de impor restrições a viagens ou comércio.

Em Portugal, em 08 de janeiro a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, dizia, baseando-se na OMS, que a pneumonia viral estava circunscrita a Wuhan e que não se transmitia de pessoa para pessoa.

Na altura dizia-se ser certo que a doença não era um vírus da gripe nem um coronavírus, e Graça Freitas afirmava que o que tranquilizava o resto do mundo era "não haver contágio entre pessoas", pelo que não eram necessárias medidas, nem nenhuma "recomendação especial, nem de viagens, nem de restrições, nem de conselhos especiais a dar".

Bastou um dia para tudo mudar. Em 09 de janeiro de 2020 a China anunciou ter identificado a doença como sendo provocada por um novo tipo de coronavírus, um vírus que passa de animais para seres humanos e que causa infeções respiratórias que podem ser transmitidas através da tosse, espirros ou contacto físico.

Possíveis casos da doença já tinham sido identificados também em Hong Kong e Coreia do Sul e em 11 de janeiro morria o primeiro doente em Wuhan, mas as autoridades diziam que tudo estava "sob controlo".

O mesmo otimismo vinha da OMS, que em 13 de janeiro dizia que a doença não alastrara além do mercado de mariscos, que foi encerrado, e que não havia outros casos nem no resto da China nem fora do país.

Mas logo no dia seguinte a OMS dizia que todos os hospitais do mundo estavam a ser preparados para um novo vírus e para a hipótese de "contágios em massa", por poder haver contágios entre humanos.

Mesmo assim a OMS não emitiu qualquer alerta para quem visitasse Wuhan, ao contrário de Portugal, com a DGS a recomendar, em comunicado de 14 de janeiro, cuidados redobrados a quem viajasse para a China.

Em 15 de janeiro as autoridades de saúde de Wuhan já admitiam que a doença podia ser transmissível entre humanos, embora o risco fosse "baixo". Em Lisboa, nesse mesmo dia, Graça Freitas insistia que o surto da China estava contido.

A eventual propagação "não é uma hipótese neste momento a ser equacionada", afirmou a diretora-geral da Saúde nesse dia, acrescentando que os portugueses não tinham que estar alarmados, que a transmissão do vírus entre pessoas apresentava uma "fraquíssima possibilidade" e que era diminuta a possibilidade de o vírus chegar a Portugal.

Na mesma linha, o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla original) sublinhava não haver uma "indicação clara e sustentada" de que o novo coronavírus se transmitisse entre pessoas.

Mas, a meio do mês, o Japão anunciava um primeiro caso da doença, em Wuhan morria mais uma pessoa e eram detetados mais 17 casos, e meia dúzia de países asiáticos adotaram medidas excecionais.

Por toda a China começava então, sem restrições, a movimentação de milhões de pessoas a caminho da terra natal para festejar a semana da passagem do ano lunar. Durante cerca de 40 dias a China iria registar um total de três mil milhões de viagens internas, segundo números oficiais.

O vírus fazia também o seu caminho. Morriam mais pessoas, havia mais infetados, não só em Wuhan e não só na China, com a Coreia do Sul a registar um caso. A China confirmava que a doença era transmissível entre humanos.

Quando em Wuhan continuavam a morrer pessoas (17 mortes registadas em 22 de janeiro) e havia mais de 400 infetados, uma dezena de países informou ter detetado casos.

Apesar de o ECDC classificar como moderada a probabilidade de a doença chegar à Europa, apesar de a OMS não declarar uma emergência internacional, as autoridades chinesas isolavam Wuhan e outras cidades, cancelavam eventos, encerravam locais, construíam hospitais.

Graça Freitas disse em 24 de janeiro que os portugueses deviam estar atentos mas tranquilos e que o país tem planos de contingência que garantem a preparação necessária para detetar, diagnosticar e tratar eventuais casos. Nesse dia foram detetados em França os três primeiros casos na Europa.

Até final de janeiro de 2020 o número de mortes na China ultrapassou as duas centenas e os infetados chegaram aos 10.000, com a doença também na Alemanha e em dezenas de outros países do mundo. A China falava de uma "situação grave" e o ECDC pedia aos países da União Europeia para adotarem "medidas rigorosas e oportunas".

Ainda assim, era otimista a posição do Governo português, com a ministra da Saúde, Marta Temido, a assegurar que os hospitais portugueses estavam preparados para lidar com uma eventual epidemia de coronavírus e que a situação estava a ser tratada de forma "tranquila, mas rigorosa".

O mesmo otimismo da comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakidou, segundo a qual a maioria dos Estados-membros estava "muito bem preparada" para lidar com o novo coronavírus. O mesmo da parte da OMS, que em 30 de janeiro declarou situação de emergência em saúde pública internacional, mas opunha-se à restrição de viagens, trocas comerciais e movimentos de pessoas.

Um pouco por todo o mundo havia em fevereiro do ano passado esse otimismo, visível por exemplo quando o Japão negava "rotundamente" qualquer intenção de cancelar os jogos olímpicos, marcados para julho.

Fevereiro de 2020 foi passado em Portugal com análises a casos suspeitos, mas nenhuma confirmação de coronavírus no país, e com a Europa a levar o assunto cada vez mais a sério, devido à proliferação de casos em Itália.

O mês chegou ao fim com Itália a registar 29 mortes e 1.128 infetados e a China continental 2.912 mortes e 80.026 infeções. Em fevereiro o SARS-CoV-2 já estava em 60 países de todos os continentes.

Portugal tinha nessa altura 85 casos suspeitos de infeção, mas nenhum positivo, contabilizando apenas dois cidadãos portugueses infetados, tripulantes de um navio de cruzeiros que foram hospitalizados no Japão.

Novos casos foram, no entanto, aparecendo em vários países da Europa, ainda que o ECDC tenha continuado a insistir que a situação estava controlada, ou que a OMS no início de fevereiro ainda não considerasse a doença, que batizaria no dia 11 com o nome covid-19, uma pandemia, o que só faria em 11 de março.

Há um ano, o ECDC não via como recomendável o controlo de fronteiras na Europa e em Portugal o Presidente da República, o primeiro-ministro e a ministra da Saúde afastavam a ideia de fechar fronteiras, ou escolas, nas palavras de António Costa, enquanto a DGS informava não haver qualquer restrição para quem chegasse de uma área com transmissão ativa do vírus.

Entre tanto otimismo um dado curioso, um ano depois. Em 29 de fevereiro de 2020 Graça Freitas admitia, numa entrevista, que um milhão de portugueses poderiam ser infetados pelo SARs-CoV-2. Mas nesse mesmo dia convocou uma conferência de imprensa para dizer que afastava "completamente" esse cenário.

Quase um ano depois, em 24 de fevereiro último, Portugal ultrapassou as 800.000 infeções.